Introdução - “Um dia, contam, toda a gente ouviu da banda onde sae o Sol um estrondo grande, que fez tremer a terra.Um pagé velho, que estava ahi riu gostoso, depois disse: “Quem sabe, amanhã mesmo já chegam os comedores de gente que se pintam na minha imaginação.” (sic)Os companheiros estavam perto, ouviram isso, perguntaram logo que novidades ele via.Elle respondeu: “Há duas semanas já que eu vejo na minha mente gente que tem costumes feios subir este rio. Eles comem gente como onça.”Logo, dizem, os companheiros perguntaram o que era bom fazer adeante desta gente. O pagé respondeu: “Vocês esfreguem bem o uirari nos kurabis para elles não deixarem vivo quem eles espetarem. Homens e mulheres, todos hão de brigar.” Ninguém há de correr em face do inimigo, havemos de matar todos eles. Nosso pai o Sol, nossa mãe a Lua, conhecem já a nossa valentia.” Amanhã antes de nosso pai o Sol levantar-se, o filho do nosso tuicháua deve ir em cima da Serra do Tejú, para de la vigiar quando esta gente chega.” O pagé só disse assim.Aqulle estrondo grande que fez a terra tremer, dizem, foi este mesmo pagé velho que o fez para mostrar a toda gente o seu poder.Três dias depois o filho do tuicháua viu uma porção de gente subindo o rio, veio logo contar. O pagé então disse para o tuicháua: “Tuicháua, junta já a nossa gente, vamos esperar esta gente ruim na cachoeira.” Si elles bulirem comnosco havemos de brigar com eles; si chegarem como gente boa, como gente boa havemos de encontrá-los....” (cf. Kukuhi - Lenda baré. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Tomo 104, volume 158, 1928, p. 740-741).
Esta
lenda baré nos diz qual a intenção dos índios no trato com os estrangeiros
sejam quais forem as suas procedências. Cordiais e hospitaleiros com aqueles
que demonstrarem possuir estas qualidades. Altivos e fortes com aqueles que se
apresentarem como sendo gente ruim.
Infelizmente,
os europeus ou mais precisamente os portugueses e espanhóis não chegaram como
gente boa como imaginava o velho pagé, mas como gente ruim.
É
importante afirmar logo de início o caráter imoral dos europeus na apropriação
predatória da Amazônia. O princípio ético que norteou os comportamentos e
atitudes dos europeus na conquista dos chamados povos ultramarinos por si só
explica e justifica toda a perversidade usada contra essas pessoas, não só na
América como na África, na Ásia e em todos os outros lugares: “ultra aequinotialem non peccatur”. (Não se
comete pecado além da linha do equador).
A
partir desse princípio não tem mais o que se discutir, tudo é permitido.
Assassinatos cruéis e violentos das nações indígenas, abuso e violentação das
índias, escravização dos negros e dos índios, depredação da natureza e etc....
Aos europeus conquistadores tudo é permitido para satisfazer aos objetivos do
Estado e dos súditos: enriquecimento rápido e fácil, a qualquer custo.
Diferentemente
das nações indígenas amazônicas os civilizados europeus colocam como princípio
e disposição das suas relações com os chamados povos ultramarinos a
permissividade em todos os níveis.
Esta
será a marca indelével imposta à Amazônia pelos conquistadores europeus que
acompanhará toda a sua trajetória histórica e geográfica: ser uma região
colonial. Ou seja, uma região cujo projeto de desenvolvimento autóctone foi
abortado pelos europeus massacrando e matando as nações indígenas e reduzindo
os sobreviventes à condições subumanas.
Na
verdade, a conquista da Amazônia pelos europeus está envolvida pelo mito
expansionista do Eldorado, o lugar do enriquecimento rápido e fácil, país
utópico onde havia ouro em extrema abundância e onde se havia refugiado o
último dos incas com todos os seus tesouros.
Esta lenda, durante o
século XVI induziu muitos aventureiros a diversos pontos da Amazônia. O
historiador português Jaime Cortesão faz um estudo geocartográfico minucioso
sobre este e outros mitos amazônicos para concluir que se trata de mitos
expansionistas.
Amazônia foi sempre
considerada uma área de expansão da fronteira de grandes negócios. Atualmente,
as frentes expansionistas vindas do Pacífico e do Atlântico se encontram aqui
na Amazônia, fenômeno denominado pelos geógrafos comprometidos com o grande
capital de “fechamento da fronteira”.
Daí a agudização dos
problemas inerentes à expansão capitalista: depredação da natureza, fomento de
guerras interétnicas, concentração da terra com a consequente agudização das
questões fundiárias; enfim, precarização dos padrões da vida da grande maioria
em benefício de aventureiros e dos nativos que colocam sua força de trabalho a
serviço da sustentação deste modelo de desenvolvimento. E o futuro chegando. E
agora José?
“Dois
ilustres historiadores, o paraguaio Manoel Domingues e o argentino Enrique de
Gandia, numa série de trabalhos, mostraram à evidência que as lendas do Lago
Dourado, das Amazonas e da Casa do Sol, correspondem a realidades históricas e
fatos da civilização incaica, transmitidos e deformados pelos índios, que os
não conheciam perfeitamente, e pelos conquistadores espanhóis, que os adaptaram
à sua cultura de Europeus e às suas preocupações de guerreiros e homens de
prêsa.*
São tipicamente mitos de Conquista,
criados pela imaginação ardente e o caráter heróico dos conquistadores, que não
souberam descortinar, nas informações dos indígenas do Amazonas e do
Alto-Paraguai, a miragem das opulências do império dos Incas. Essas lendas
revestem-se nas narrativas espanholas duma espécie de alucinação visual,
reflexo das aventuras prodigiosas de Cortez e Pizarro. Muito mais da última. Na
essência brotaram do tumultuoso desejo de continuar a pilhagem dos palácios
maravilhosos onde as paredes, os vasos e os objetos mais variados da suntuária,
eram ou se diziam ser de ouro, prata e pedras preciosas. Nelas o aspecto
geográfico é acessório e vago. E falta-lhes orgânica política.
Ao
contrário, o mito português é essencialmente geográfico e político. O elemento
maravilhoso apresenta-se como secundário e importado. Não passa dum
prolongamento da miragem incaica”. (cf. CORTESÃO, Jaime. Realização geográfica e expansão do mito. In:
____. História do Brasil nos velhos
mapas. Rio de Janeiro, Instituto Rio Branco, [1965], tomo I, IV parte, p.
356).**
Do
ponto de vista doutrinário a legitimação do status colonial da Amazônia decorre
de toda a literatura produzida visando desenvolver o mercantilismo que podemos
sintetizar no seguinte:
“... as colônias... devem: primeiro dar a
metrópole um maior mercado para seus produtos; segundo; dar ocupação a um maior
número dos seus (da metrópole) manufatureiros, artesãos e marinheiros;
terceiro, fornecer-lhe uma maior quantidade dos artigos de que precisa”.
(cf. HENRI, See. As origens do capitalismo moderno. (In: NOVAIS, Fernando. Portugal
e Brasil no antigo sistema colonial (1777-1808). 2 ed., São Paulo,
Hucitec, 1981, cap. I, p. 59).
Na
verdade podemos aplicar à Amazônia aquelas palavras que Eduardo Galeano refere
à América Latina:
“...
desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu
ou, mais tarde norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até
hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas
profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de consumo, os
recursos naturais e os recursos humanos”. (GALEANO, 1979, p. 14).Eduardo. Cento
e vinte milhões de crianças no centro da tormenta. In: ____. As veias abertas da América Latina. 8
ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, ,
Se
examinarmos a função da Amazônia no processo histórico e geográfico do ocidente
verificaremos que as principais atividades econômicas que lhe foram atribuídas
referem-se sempre a exploração extrativa predadora de seus recursos naturais e
humanos. Inicialmente foram as drogas do sertão e o extermínio das
nações indígenas resistentes ao colonialismo. Posteriormente a exploração das
gomas elásticas e das resinas e a degradação dos nordestinos, dos caboclos e
das remanescentes tribos indígenas. Atualmente é a vez dos recursos minerais,
das madeiras nobres e dos fármacos.
AMAZÔNIA: DE ELDORADO A ZONA FRANCA. AS
SUSCESSIVAS AMAZÔNIAS - Na verdade, a Amazônia contemporânea dos incentivos fiscais emerge no contexto
da criação das zonas francas em todo o mundo capitalista. Trata-se de uma
estratégia elaborada nos centros internacionais do poder para resolver a crise
de concentração de capital nos países capitalistas hegemônicos ocorrida na
década de 60.
Além
disso, a Amazônia tinha como agravante contra si uma conjuntura política em que
o Estado brasileiro vivia uma ruptura de um processo de aproximação com o
socialismo e altamente favorável a adequação do país às novas orientações do
capitalismo internacional. Com isso houve todo um redimensionamento das
relações dos centros do capitalismo com suas periferias. Ou mais precisamente,
houve uma atualização histórica e geográfica do colonialismo, o
neo-colonialismo.
O
que permanece portanto, na história e na geografia da Amazônia é a sua condição
de subalternidade, sempre sufocada pelas forças estrangeiras. De início são os
portugueses que tentam impor à Amazônia indígena a Amazônia portuguesa. Posteriormente.
o Império impõe a chamada Amazônia lusobrasileira. Ao projeto de constituição
da Amazônia cabocla o Estado brasileiro vem tentando impor através de
sucessivas tentativas a Amazônia moderna, através dos incentivos fiscais.
“Quando
se analisa a região à luz da história recente, emergem imediatamente as
múltiplas facetas que têm marcado o processo de sua ocupação.
É
a Amazônia da borracha, fazendo jorrar
dinheiro fácil e abundante, mas fugaz, como chuva de verão; a Amazônia dos
retirantes nordestinos que fugiram à seca para sucumbir no meio da selva
sob picadas do mosquito transmissor da malária, ou vítimas das estorções do
sistema de aviamento; a Amazônia da SPEVEA, (Superintendência de
Valorização Econômica da Amazônia), (sic) que nasceu e morreu à sombra da
constituição de
1946; a Amazônia da SUDAM, (Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia), criada à imagem e semelhança da SUDENE, que apesar de todas as
esperanças, ainda não deu certo; a Amazônia da Zona Franca de Manaus,
(SUFRAMA), carregada de potencialidades, mas incapaz de alçar vôo.
É
a Amazônia dos projetos faraônicos, que vão
sendo deglutidos pela selva, que avulta qual gigantesca gibóia verde, se a
moderna tecnologia não transformar a região em um deserto; A Amazônia dos
missionários, que, ao penetrarem na selva e nos igarapés, e ali fixarem
residência, ao longo dos últimos quatro séculos, para levarem o evangelho às
populações indígenas, foram obrigados a entrar em conflitos; às vezes mortais
com aventureiros da civilização ocidental, a fim de preservar os direitos das
populações autóctones.
É
a Amazônia, sonhada pelos técnicos da Rand Corporation,
com a formação de grandes lagos, que facilitariam a circulação humana na área,
e proporcionariam acesso mais fácil às riquezas não submersas; A Amazônia
das correntes migratórias do extremo-sul, de moto-serra em punho, sonhando
em repetir, talvez em vão, na linha do Equador, a epopéia que os notabilizou
nos climas temperados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina; e, finalmente
a Amazônia, onde, segundo a antropóloga Margareth Mead, todas as
civilizações pereceram até hoje, exceto os indígenas.
Essas
múltiplas facetas da região e a originalidade que o trópico úmido representa
para a humanidade industrializada e desenvolvida, explicam talvez em parte, o
enigma, ainda não desvendado, de uma ocupação da Amazônia, capaz de aproveitar
sua potencialidade, sem destruir a matriz de sua permanente renovação”. (cf.
BARROS, Raimundo Caramuru. Por que a Amazônia está queimando biológica, econômica
e politicamente? Rumos Revista de
Cultura. Brasília, 0(1):3-9, 1989).
É
esse quadro que queremos projetar buscando contribuir para a compreensão desse
enigma desde as suas origens mais remotas demonstrando que a partir de uma base
territorial “várias Amazônias” vão se sucedendo no tempo ou mesmo coexistindo
sem que a Amazônia perca os seus traços originais.
“A
caracterização do estado sócio-cultural das sociedades indígenas sul-americanas
no momento da conquista européia é um esforço que data dos trabalhos de Alfred
Métraux, que a partir de 1928 começou o exame dos primeiros escritos dos
cronistas. Nos anos recentes, intensificaram-se as pesquisas deste tipo entre
os especialistas das terras baixas da América do Sul, e seus objetivos se
ampliaram. Hoje em dia, não se trata mais apenas de “reconstituir” uma cultura
material ou um sistema mágico-religioso anterior. Ao considerar a distância que
separa as sociedades do passado daquelas do presente, trata-se hoje de
compreender por que mecanismos, externos e internos, o trabalho da história se
exerceu sobre sistemas sociais tidos por frios ou insensíveis a seus efeitos.
[...] Estas pesquisas estão modificando a visão tradicional das sociedades
amazônicas como sendo sociedades pequenas, atomizadas, autônomas
(“self-contained”, como dizem os anglo-saxões) ou mesmo isoladas umas das
outras, que dominou a antropologia americanista desde o século XIX até bem
recentemente. Aglomerados restritos de grupos locais ligados pelo parentesco,
característicos da situação contemporânea, só servem hoje como exemplares de si
mesmos. Longe de atestar a fixidez de um eterno ameríndio (como se diz, em
francês, o “eterno feminino”...) imóvel em sua recusa da história, e um
primitivismo supostamente homogêneo, o socius
amazônico atual é o produto de transformações radicais das relações
sociais e simbólicas, resultado da recomposição de sistemas políticos que, em
muitos casos, não ignoravam nem a hierarquia nem o poder. Na Guiana ocidental,
onde já no século XVI repercutiam as lutas das potências européias, é possível
estudarmos os efeitos dos empreendimentos coloniais sobre redes políticas
indígenas estruturadas “horizontalmente” pelo entretecimento de grupos locais,
pela circulação de pessoas, de bens e de valores através d++++++e guerras
ritualizadas, e em função da extensão flutuante das parentelas e clientelas de
“homens eminentes”, o big men ameríndios”. (cf. DREIFUS, Simone. Os
empreendimentos coloniais e os espaços políticos indígenas no interior da
Guiana ocidental (entre Orenoco e o Corentino) de 1613 a 1796. In: CUNHA,
Manuela Carneiro da. et CASTRO, Eduardo viveiros de. (Organizadores). Amazônia: etnologia e história indígena.
São Paulo, Núcleo de História indígena e do Indigenismo da USP: FAPESP, 1993,
p. 19-20).
Deve
ficar claro que a Amazônia primitiva, do ponto de vista das relações
interétnicas não difere das outras comunidades humanas que se desenvolveram em
outras partes do mundo. Em contato com os europeus, precisamente com os
portugueses, espanhóis, franceses e holandeses, mais adiantados
tecnologicamente, tiveram a mesma sorte.
Os
que tentaram a confrontação na defesa de seus territórios foram simplesmente
massacrados e eliminados pela violência dos conquistadores. Outras tribos foram
cooptadas através de seus chefes transformaram-se em trabalhadores escravos ou
dos colonos ou das ordens religiosas vindo a constituir posteriormente a massa
de trabalhadores “livres” que se submetem às novas formas de exploração de sua
força de trabalho. Essa estratégia desestruturou as nações indígenas destruindo
o seu modo de ser primitivo, suas identidades e singularidades culturais
integrando-as uniformemente a um novo modo de produção.
Nessas
condições, de extrema inferioridade e completamente desumanizados, os índios e
as índias, passam a fazer parte desse novo ordenamento geo-social, que foi a
Amazônia portuguesa. Aqui também o capitalismo mostra uma de suas mais
perversas características que é a erradicação de valores que constituem uma
identidade cultural e imposição violenta de novas formas de comportamento. Na
verdade, ao entrarem neste novo ordenamento geo-social os índios deixam a
condição de homens livres e passam a ser os “descidos” ou escravos.
“Descidos”
na verdade foram os índios que persuadidos pelos missionários e escoltados
pelos militares desciam de suas malocas para trabalhar nas “aldeias de repartição”
onde ficavam sob o controle do “capitão de aldeia” e eram “repartidos”
entre as ordens religiosas, os colonos portugueses e as instituições da coroa.
Índios
escravos
foram na terminologia dos portugueses aqueles índios
escravizados através dos “resgates”. Aqui, ao contrário dos “descimentos”,
a iniciativa era das “tropas de resgates” que legitimadas
pelos religiosos missionários promoviam “as guerras justas”. As “tropas
de resgates” capturavam os índios, homens, mulheres, crianças e idosos
e os levavam para os mercados de escravos onde eram adquiridos pelos colonos,
pelos religiosos e pelos funcionários do governo português.
Outra
modalidade de atuação das tropas de resgate era trocar os índios capturados nas
guerras intertribais e que seriam sacrificados por quaisquer objetos de
interesse de seus detentores. Esses índios eram encaminhados para serem
vendidos nos mercados de escravos em Belém. Esses fatos mostram muito bem a
cumplicidade existente entre o Estado português e a Igreja Católica, entre
soldados e missionários. Ora os missionários solicitam os serviços da tropa
para completar sua pregação ora é a tropa que requer a legitimação teológica do
missionário para suas perversas ações.
Também
na Amazônia os índios adotaram como forma de resistência a clássica retirada
estratégica para áreas a salvo das investidas do inimigo. Dessa forma muitas
nações indígenas conseguiram resistir até hoje. São aquelas nações indígenas
que a literatura própria denomina-os de índios arredios, semi-aculturados,
semi-civilizados e outras denominações pejorativas que só denunciam preconceito
e discriminação contra os índios.
Na
verdade, estas nações indígenas constituem os sobreviventes da Amazônia
portuguesa, os excluídos da Amazônia brasileira e testemunhas de um modo de
vida que a humanidade sempre quis e idealizou mas que sempre projetou no
passado e nunca julgou possível no presente. Aliás quando os Tupinambás fugiram
do litoral buscando viver no futuro uma vida autônoma, saudável e em liberdade
foi para a Amazônia que se deslocaram esperando encontrar a “terra sem males”,
diferentemente dos hebreus que projetaram o paraíso terrestre no passado.
É
necessário dizer que do ponto de vista dos europeus acusa-se algumas nações
indígenas de aliarem-se aos inimigos de Portugal e por conseqüência da Igreja
católica. Na verdade, isto foi apenas pretexto para legitimar massacres das
tribos indígenas resistentes uma vez que os índios nunca tiveram nos europeus
aliados e os europeus sempre se serviram dos índios para atingir seus
objetivos. Sob pretexto de aliança com os holandeses os manaos e seus aliados
mayapenas são exterminados pelas tropas portuguesas. Na verdade, as autoridades
holandesas premiavam a quem matasse um manaos e colocaram vigilantes nas
cachoeiras do Essequibo para manter os manaos distantes de sua área. Os
holandeses aproximaram-se dos manaos com o claro objetivo de transformá-los em
escravos.
O
Massacre dos manaos é bastante significativo para mostrar as contradições da
implantação da Amazônia lusitana. Uma vez definida a situação do Rio Negro e do
seu afluente o Rio Branco como áreas estratégicas para assegurar a presença
lusitana na Amazônia devia-se fixar os limites territoriais dessa soberania
organizando os núcleos de povoamento.
Esta
era a tarefa fundamental para a construção da Amazônia lusitana e esta obra só
poderia realizar-se com o consentimento e o concurso das nações indígenas,
posto que os portugueses não conheciam a região e nem sabiam como nela
sobreviver. Daí a eliminação pura e simples não só dos manaos como de todas as
outras nações indígenas potenciais aliadas dos concorrentes na apropriação do
território amazônida.
Mas,
ao mesmo tempo em que combatiam os índios que se opunham à dominação tinham que
fazer alianças políticas e econômicas para povoar e construir as cidades que ao
nível interno asseguravam o exclusivismo colonial e ao nível externo,
juridicamente nas relações internacionais, asseguravam a posse desses
territórios para o Estado português.
É
nesse contexto contraditório de necessidades políticas e econômicas que o
Estado português desenvolve uma ação uniformizadora de todas as nações
indígenas impondo uma nova língua, inicialmente o nhengatu e posteriormente o
português, uma nova religião o catolicismo, enfim uma nova condição humana
súditos-escravos, vestindo-se, morando e alimentando-se segundo um caricato
modelo europeu.
“...O
Estado para desempenhar eficazmente sua ação em todo território, precisa de uma
língua única que possibilite uma ligação direta e permanente entre os
indivíduos, cujas relações econômicas e sociais adquiriram dimensões nacionais,
e o Governo central. Por isso o Estado impõe a unidade de língua. Este
objetivo, porém, nunca é alcançado na sua totalidade. Apesar do esforço de
nacionalização das minorias lingüísticas levado adiante pelos governos
nacionais, nunca se realiza a unidade de línguas”. (cf. LEVI,
Lucio. Nacionalismo. In: BOBBIO, Norberto et aliis. Dicionário de política. 5ª ed., Brasília/DF, UNB, 1993, vol. 2, p.
800).
Apesar
da imposição do português como língua obrigatória para toda população amazônica
ainda hoje se fala o nhengatu (a fala bonita) correntemente em todo o vale do
Rio Negro. Na verdade com essa imposição o Estado português silenciou por
completo centenas de nações indígenas que perderam o seu meio principal de
transmissão de cultura, condenou para sempre os amazônidas a serem um povo sem
história para contar já que a única forma de transmissão das tradições, dos
costumes enfim da cultura, possível para os amazônidas era a linguagem oral,
pois não tinham escrita e um povo sem linguagem própria não tem como se
expressar, se exprimir, não tem como se identificar. Um povo sem linguagem oral
e sem escrita é um povo sem memória, e um povo sem memória não tem como
desenvolver o amor próprio pelo contrário, desenvolve um sentimento de desamor
a si mesmo, se anula ou se reduz a expressão mais simples.
“Nada
é mais necessário aos índios que uma barreira ao processo de identificação com
os pontos de vista dos civilizados que os levam a se olharem com os olhos dos
brancos, como pobres bichos ignorantes e desprezíveis, contra os quais tudo é
permitido”. (cf. RIBEIRO, Darcy.
A Amazônia extrativista. O vale do Rio Negro. In: ____. Os índios e a civilização. Petrópolis, RJ, Vozes, 1977, cap. I, p.
33).
Também
Charles Wagley, na sua clássica pesquisa Uma
comunidade Amazônica observa que as pessoas descendentes do ameríndio, ao
contrário dos negros, não gostam que se mencione sua ascendência indígena.
É
necessário dizer que esta questão do idioma a ser falado pelos índios tem uma
dimensão geopolítica e que por via de consequência salvou algumas informações a
respeito da cultura dos índios.
“Uma
das expressões da civilização, em que os índios deveriam ser inseridos, era a
língua portuguesa. Aliás, ... o ensino do português era uma exigência das
determinações dos reis de Portugal, em vista dos índios serem seus “vassalos”,
e, sobretudo, porque seria através desse instrumento da língua portuguesa que a
corte régia iria garantir o fundamento jurídico de sua conquista em regiões
que, pelo Tratado de Tordesilhas, deveriam ser da Espanha. Pois, em 1750,
quando no Tratado de Madrid se procura delimitar as fronteiras da América portuguesa
e espanhola, o critério decisivo vai ser este: A América portuguesa vai até
onde se falar o português.
Mas
para os índios chegarem ao conhecimento da língua portuguesa, deviam os
missionários primeiramente conhecer as línguas indígenas. E sobretudo, porque a
primeira evangelização se daria através da língua do próprio índio.
Nessa
busca de conhecimento das línguas indígenas, os missionários revelaram em seus
escritos muitos valores existentes nos povos indígenas da Amazônia”. (cf. FRAGOSO, Hugo. A visão da Igreja sobre a
conquista dos índios “para Deus e para o Rei”. In: HOORNAERT, Eduardo
(coordenador). História da Igreja na
Amazônia. Petrópolis, RJ, Vozes, 1992, cap. V, p. 170).
Acrescentamos
que essa questão a respeito da fala dos índios vém permeada por um outro odioso
preconceito contra as nações indígenas.
“Um
dos conceitos mais divulgados pela literatura colonial a respeito da pobreza
cultural dos indígenas é a extrema limitação do seu alfabeto, carecendo de três
letras básicas: F, L e R. Tais letras eram consideradas como os símbolos dos
elementos constitutivos da própria civilização. [...] Na História da Província
de Santa Cruz, publicada em 1576, Gandavo declara a respeito da língua
indígena: “Carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L,
nem R, cousa digna de espanto porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e
desta vontade vivem desordenadamente, sem terem além disto conta, nem peso, nem
medida”.
Na
Crônica da Companhia de Jesus, Simão de Vasconcelos faz referências análogas
aos indígenas: “Vivem ao som da natureza, nem seguem fé, nem lei, nem Rei
(freio comum de todo homem racional). E em sinal desta singularidade lhes negou
também o Autor da natureza as letras F, L, R. Seu Deus é o ventre, segundo a
frase de São Paulo; sua lei e seu Rei são seu apetite e gosto”. (cf. AZZI, Riolando. Mentalidade lógica versus
consiência mítica. In: ____. A
cristandade Colonial um projeto autoritário. São Paulo, Paulinas, 1987,
cap. 7, p. 125-6).*
Outros autores
engrossam esse tipo de consideração inclusive o Padre Manoel da Nóbrega.
“Desde
o início, Nóbrega adverte a respeito da dificuldade de se traduzir para a
língua dos indígenas os conceitos religiosos, escrevendo: “Trabalhei para tirar
em sua língua as orações a algumas práticas de N. Senhor, e não posso achar
língua que me saiba dizer, porque são eles tão brutos que nem vocábulos têm”. (cf. Op. Cit. p. 129).**
É
necessário reafirmar que a Amazônia indígena não tem similar nas outras partes
do mundo, como todas as outras nações tem seus traços característicos. Os
europeus julgaram-na segundo os parâmetros de seus antepassados. Atribuíram
equivocadamente às mulheres indígenas traços e condições que até hoje nunca
foram constatados. O eurocentrismo, ou para ser mais preciso o etnocentrismo
europeu criou os estereótipos do índio brasileiro de “nariz chato e beiços
grossos, imberbe e de baixa estatura”. Na Amazônia referiram-se ao “mura
barbado, ao mundurucu de alta estatura e o parintin de huma fisionomia
irrepreensível”.
Na
verdade uma das características da Amazônia indígena é a variedade de nações de
culturas e de tipos físicos. É claro que as culturas dessas nações não podem
ser avaliadas segundo os critérios da cultura ocidental. Os índios
desenvolveram habilidades compatíveis com suas necessidades e exigências que o
modo de vida que levavam lhes solicitava. Atualmente os antropólogos resgatam
todo um artesanato indígena elaborado com matérias primas que o meio lhes
proporcionava para prover todas as necessidades da reprodução social: remédios,
tecidos, alimentos, instrumentos agrícolas, instrumentos de caça e pesca,
brinquedos etc, etc.
Deve-se
notar que os especialistas avaliam entre três a quatro milhões de índios
habitantes da Amazônia indígena brasileira, ao tempo dos primeiros contatos com
os portugueses. É fácil concluir que somente uma sociedade que desenvolveu um
conjunto de habilidades técnicas para explorar os recursos do solo, da floresta
e dos rios teria condições de prover as necessidades materiais e culturais da
reprodução de tão numeroso contingente humano.
Sobre
esta questão é insuspeito o testemunho do capuchinho francês Frei Fidelis a
respeito das qualidades dos índios amazônicos. Referindo-se especificamente aos
tupinambás ele ressalta nesses índios:
“a
aptidão que tinham para as artes e ofícios mais necessários, como o de
ferreiro, carpinteiro, marceneiro, cordoeiro, alfaiate, sapateiro, tecelão,
oleiro e agricultor. Até mesmo mostravam propensão natural para a pintura, pois
faziam diversas figuras e folhagens, com auxílio de pequena lasca de madeira.
Os missionários tinham contínuas ocasiões de admirarem nesses índios
inteligência viva e memória muito feliz”. (cf. FIDELIS, M. de Primeiro, O Fr. M. Cappuc. Os capuchinhos em Terras de Santa Cruz nos séculos XVII, XVIII e XIX. São
Paulo, Livraria Martins, 1940, p. 29).
Um
outro testemunho particularmente importante sobre as mulheres indígenas
amazônicas nos é dado por Lourenço da Silva Araújo:
“A
raça indígena parece aproximar-se o mais possível à perfeição por sua união com
os brancos; do que são prova as mulheres dela provindas. A pés e mãos pequenos,
madeixa basta e preta, collo o proverbial das indígenas, talhe complexo das
mais regulares proporções, ajuntão (SIC) à cor morena, realçada por huma
original expressão de phisionomia e huma vivacidade e graça superiores
infinitamente ao que fora de esperar em hum paiz internado no deserto”. (cf. ARAÚJO, Lourenço da Silva. Dicionário topográfico, histórico
descritivo da comarca do alto Amazonas. Manaus, Associação comercial do
Amazonas, edição fac-símile, 1852, p. 24).
As
mulheres índias amazônicas foram objeto de atenções e preocupações especiais
dos prelados da região conforme relato a seguir:
“Na
gestão de Marcos Noronha, o Bispo D. Manuel de Almeida Carvalho, estabeleceu em
Belém, numa casa da rua do Açougue, um educandário para as meninas índias,
trazidas do interior, conhecida como Recolhimento das Educandas. A origem desse
estabelecimento data de 1788, quando o Bispo Frei Caetano Brandão resolveu
fundar um Seminário para educar meninas órfãs, pobres e aquelas que os pais
desejassem ver instruídas na doutrina cristã e em tudo que contribuísse para
torná-las verdadeiras mães de família”. (cf. SILVA, Garcelenil Lago. Educação
na Amazônia colonial.
Contribuição à História da educação
brasileira. Manaus,
Minter/Suframa, 1982, p. 107).
Na
verdade isso constituiu-se como parte de uma política de reprodução compulsória
da força de trabalho uma vez que o assassinato de índios era muito grande e a
introdução de novos escravos estava cada vez mais cara, levando o Estado
português a obrigar os soldados portugueses a se casarem com as mulheres
índias.
Sobre
esta questão da política de colonização espanhola e portuguesa é interessante
ouvir a opinião do historiador francês Marc Ferro:
“A diferença entre a política espanhola
e a portuguesa é que esta deixa os homens se estabelecerem sozinhos no além-mar
(as mulheres portuguesas foram numerosas somente no Marrocos e Açores). De
sorte que no Brasil o concubinato e os casamentos interraciais favoreceram a
inserção dos mestiços e posteriormente dos mulatos na sociedade colonial.
Alucinados pela beleza das mulheres índias, os portugueses no Brasil foram logo
fortemente mestiçados; a amante de cor negra revezou-se com as índias, incorporando
aos hábitos dos portugueses numerosos traços culturais africanos. Fala-se de
uma integração racial «voluptuosa». Assim, diz-se que o português conquistou o
mundo não pela espada e pela cruz, mas pelo sexo - o que é sem dúvida um
exagero, uma vez que os dois outros instrumentos de dominação nunca se
distanciaram. Com o tempo a mestiçagem torna-se também uma forma de defesa dos
fundadores do país - os brasileiros de quatrocentos anos -, quer dizer os
«verdadeiros» brasileiros, face aos imigrantes, puramente brancos - italianos,
sobretudo alemães - para melhor marcar a identidade da nação
O
caráter exclusivo da emigração masculina marca também o povoamento português
nas Índias. Durante dois séculos, de 1549 a 1750, apenas uma mulher de vice-rei
acompanhou seu marido. O mesmo acontecendo com os governadores e os demais
membros de suas comitiva”. (cf. FERRO,
Marc. Uma nova raça de sociedade. In: ____. Histoire des colonisations. Des conquêtes aux indépendances
XIIIe - XXe siécle. Paris, Éditions du seuil, 1994, cap. IV, p. 146).
O
que queremos enfatizar é o caráter seletivo masculino da imigração lusa para o
Brasil. Na verdade é sempre oportuno denunciar a falsidade da teoria do
luso-tropicalismo que imprime um caráter romântico nas relações interétnicas do
processo de colonização do Brasil e da Amazônia escondendo toda a sua
perversidade.
Intercurso
sexual entre os portugueses as índias e as mulheres negras é apenas um
eufemismo por não se ter coragem de denunciar o que na verdade foi abuso e
exploração sexual das mulheres índias e negras.
A
situação atual de miséria e degradação em que vivem as mulheres negras nas
favelas e as mulheres índias nas remanescentes aldeias é o testemunho mais
evidente da falsidade do luso-tropicalismo pois que desse intercurso não
resultou nenhum benefício social, econômico ou cultural para a coletividade das
mulheres indígenas ou das mulheres negras.
Quanto
a educação formal:
“Durante a fase do período colonial, a
promoção cultural ficou praticamente nas mãos dos religiosos, destacando-se
nesta tarefa educacional os jesuítas. À medida que se enquadraram no sistema
colonial, as missões passaram a ocupar lugar secundário, e a educação dos
filhos dos senhores de engenho veio a constituir-se em sua tarefa primordial.
A preocupação do clero com a educação
dos filhos dos senhores da terra era decorrência da sua própria identificação
com a classe senhorial, pela participação no sistema do latifúndio
escravocrata.
Assim
sendo, a formação cultural tornou-se privilégio de minoria pertencente às
famílias da classe senhorial ou dos dirigentes da máquina administrativa
colonial”. (cf. AZZI, Riolando.
O ambiente cultural. In: _____. A
cristandade colonial um projeto autoritário. São Paulo, Paulinas, 1987,
cap. 2, p. 41).
Inicialmente
foram organizados colégios em Salvador, Porto Seguro, Vitória e São Vicente. Em
1573 foi aberto o colégio do Rio de Janeiro. No século XVI surgem os colégios
de Olinda, de Recife, São Paulo e Vitória. “Durante o século XVII surgem três
outros colégios de grande importância na área educacional do Brasil: o colégio
do Recife, o colégio Máximo do Maranhão e o colégio Santo Alexandre no Grão
Pará. [...]
Fundado
em 1653, o colégio de Santo Alexandre do Grão Pará manteve apenas aulas de
Filosofia e Teologia moral durante o século XVII, ficando curso de Teologia
especulativa exclusivo do Maranhão. No
colégio do Pará, freqüentavam as aulas dos jesuítas os padres das Mercês e
outros clérigos seculares. [...]
Apesar
da importância desses colégios, os jesuítas não conseguiram criar no Brasil
nenhum centro universitário, conforme seu desejo, pois encontraram sempre a
resistência da metrópole. Não interessava de fato à coroa prestigiar o padrão
de ensino cultural da colônia. [...]
Além
de não haver no Brasil centros universitários, outra grande restrição ao
desenvolvimento cultural era a mutilação que sofriam os textos clássicos
e literários, quando se fazia necessária a sua utilização, sobretudo nas
escolas. Essa tarefa era exercida em modo especial pelos religiosos, que
dirigiam praticamente toda a rede escolar nessa época. [...] Havia, de fato
neste tipo de ensino, desinteresse quase total pelas ciências e pelas
atividades técnicas e artísticas. Na colônia e na metrópole mantinham-se os
religiosos fechados à análise e à crítica, à pesquisa e experimentação. O
espírito de questionamento e de livre exame era combatido, pois os jesuítas
queriam salvaguardar os ideais da ortodoxia católica, daí advindo a insistência
em salvaguardar o dogma e a autoridade”. (cf. Op. cit. p. 43-44).
Por
mais alienada e repressiva que seja a escola superior ela traz sempre os
germens de sua superação. Não interessava ao governo português da época, como
não interessa ao governo brasileiro hoje prestigiar uma instituição que tinha e
tem a possibilidade de gerar idéias contrárias aos interesses religiosos,
políticos, econômicos e sociais do poder estabelecido.
Quanto
a qualidade de vida dos índios antes do contato com os portugueses é muito
significativo o testemunho do general Pedro Teixeira na sua “Relacion del
Pedro Tejera deel Rio delas Amazonas para el S.or Presidente” após sua célebre viagem de 1637.
Afirma
o General:
“És todo este gran rio mui
saludable, porque no tiene calor rigoroso ni frio que obligue â pujar por ropa,
prueba de sano, no hallar, un enfermo en
todo la máquina de Pueblos que âi”.(cf. in: CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos velhos
mapas. Rio de Janeiro,
Ministério das Relações Exteriores. Instituto Rio Branco. [1965], p. 426).
Deve-se enfatizar que o
general Pedro Teixeira foi de Belém até Iquitos no Peru e que sua afirmação é
em relação a toda a Amazônia. Muito diferente é a situação atual denunciada
pelo CIMI:
“A
expectativa média de vida dos índios brasileiros é inferior à maioria da
população brasileira. Os dados são de uma pesquisa recente realizada pelo
Instituto de Medicina Tropical de Manaus (IMTM). A média de vida do indígena
brasileiro registrada no ano passado (1995) foi de 45,6 anos. O brasileiro
sobrevive em média 66,7 anos.
O
índice mais baixo de vida entre os índios do Brasil foi verificado no estado do
Mato Grosso do Sul (37,7anos), onde vivem os guatós, cadiveus, cambas, ofaiés,
xavantes, guaranis caiovás e terenas. Entre os guaranis-caiovás, cujo índice de
suicídio em 95 foi o maior dos últimos dez anos, muitos não vivem mais que 38
anos. Depois do Mato Grosso do Sul estão na lista os estados de Roraima, Pará e
Amazonas. Em 1993 foi registrado entre os índios um índice de vida média de
48,3 anos, caindo para 45 anos em 1994.
A
pesquisa faz referência também a um relatório da Funai no período compreendido
entre janeiro/93 a outubro/94 que registra 2.591 óbitos em índios de todo o
país. A principal causa de morte é a desassistência médica (22,3%) com
predomínio da mortalidade infantil por doenças preveníveis e curáveis. (Fonte: Conselho Indigenista Missionário (CIMI)”. (cf. Expectativa de vida de índios brasileiros é
baixa. Ciência e Cultura. Jornal da
Editora SER. Brasília, jun. 1996, p. 7).
É
interessante ressaltar aqui aquilo que as nações indígenas tem de melhor no seu
relacionamento com a natureza.
“Por
exemplo, os índios amazônicos têm liberado, através dos séculos, apenas
diminutas quantidades de CO2 para a atmosfera por meio das queimadas
de suas roças, em comparação com as sociedades estatais modernas, responsáveis
pelo deflorestamento dos trópicos, a eutrofização dos estuários, a chuva ácida
e conseqüente morte das florestas, os depósitos de resíduos tóxicos e outras
ameaças evidentes à integridade dos ecossistemas naturais. Em outras palavras,
se o aquecimento global está realmente acontecendo por causa das crescentes
emissões de CO2 e outros gases-estufa, os índios amazônicos e demais
povos que não desenvolveram civilizações industriais têm dado uma contribuição
ínfima a este processo, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera passou
de 315 ppm (partes por milhão) para 340 ppm apenas durante a última geração
(NRC, 1983:1); as sociedades indígenas amazônicas teriam atingido seu auge, em
termos de queima de florestas e uso de energia, muito antes dessa época. Ainda
que as modernas nações-Estado tenham passado a professar uma “ética”
conservacionista, como testemunha a crescente profusão de ONGs
conservacionistas, ministérios ou secretarias de estado do “meio ambiente”,
agências como a EPA (Environmental Protection Agency) norte-americana, e
setores de consultoria ambiental das maiores instituições financeiras mundiais,
a única evidência sólida para a extinção recente de espécies é diretamente
atribuível a estas mesmas sociedades”. [...]
“As
sociedades indígenas amazônicas, em troca, não possuem em geral uma política
explícita da conservação, nem associações voluntárias devotadas à preservação
da biodiversidade, talvez pela simples razão que suas atividades econômicas
nunca as tornaram necessárias. Elas nunca tiveram um Estado. As
sociedades-Estados, com suas altas densidades populacionais, elevados índices
de consumo energético e tecnologias capazes de transformar o habitat em
qualquer parte do planeta, são as únicas responsáveis pela emergente e
justificadamente alarmante tendência a grandes depleções bióticas, e não a
espécie humana per se. Há ainda
esperança; mas talvez apenas enquanto sociedades não-estatais como aquelas dos
índios amazônicos continuem a existir”. [...]
Isto
não significa que os índios agricultores da Amazônia não tenham alterado o
ambiente de maneira significativa. Eles o fizeram: mas, em lugar de terem
provocado extinções, parecem ter na verdade contribuído para o aumento da
diversidade biológica. Esta aparente ação diversificadora estende-se desde os
tempos do Neolítico até o presente, e seu mais notável testemunho é a série de
espécies domesticadas e semi-domesticadas presentes na Amazônia. Os
arqueobotânicos Bárbara Pickersgill e Charles Heiser estimaram que o número de
plantas neotropicais domesticadas ultrapassa a centena (Pickersill & Heise,
1977). Várias parecem provir da Amazônia e arredores, incluindo o abacaxi
(Ananás comosus), o maracujá (Passiflora edulis), o amendoim (Arachis
hypogaea), a mandioca (Manihot esculentaI), o inhame (Dioscorea trifida), o
tajá (Xanthosoma spp), o mamão (Carica papaya), a tacana ou flecha (Gynerium
sagitattum), o caroá (Neoglaziovia variegata), o urucu (Bixa orellana), e
numerosas árvores frutíferas. Estas últimas - várias das quais provêm do alto Amazonas,
de acordo com o botânico Charles Clement (1989) - incluem a pupunha, a goiaba,
a castanha-do-pará, o caju, o cacau, o ingá, o cupuaçu (da família do cacau), o
bacuri (da família da amora), e o biribá (da família das anonas). Deve-se
registrar que muitas das árvores frutíferas não são completamente domesticadas:
elas ocorrem não somente cultivadas em roças e quintais por toda a Amazônia,
mas também em estado selvagem ou semi-domesticado. Estas árvores frutíferas
tendem a ser espécies dominantes, entretanto, somente onde a agricultura
indígena ocorreu. O especialista em botânica econômica Heinz Brucher (1989:1-2)
observou acertadamente que “foram os índios que domesticaram e aumentaram em
quantidade e qualidade a produção de numerosas plantas cultivadas hoje a
enriquecer a dieta diária de nações industriais altamente desenvolvidas, que
pouco sabem daquela origem neotropical. Estas contribuições das Américas
Central e do Sul são superiores às de outros
continentes...”. Quando alguns conservacionistas defendem a preservação da
diversidade biológica e ecológica da Amazônia, conscientemente ou não eles o
fazem, ao menos em parte, em prol das culturas indígenas ancestrais que
contribuíram para esta diversidade. Nós podemos considerar, portanto, que os
índios pré-colombianos da Amazônia e cercanias aumentaram a beta-diversidade da
flora, isto é, a diversidade de espécies ao longo de um gradiente ambiental.
[...]
Esta
claro que a agricultura indígena mudou a face da Amazônia. Ao mesmo tempo, é
importante ter em mente que florestas altas ainda perduram em muitas áreas
indígenas, coexistindo com a floresta de capoeira. Em muitas zonas de
penetração recente da civilização, nenhum tipo de floresta tem, é claro,
resistido. As atividades das sociedades indígenas horticultoras
ignoraram (mais que protegeram deliberadamente) muitas florestas primárias,
e assim permitiram a sobrevivência destas florestas em áreas indígenas até
hoje. [...]
Os povos horticultores pré-colombianos
também alteraram a própria terra, como sugerem por exemplo, os fatos observados
pela arqueóloga Anna Roosevelt (1987, 1989): grandes elevações artificiais,
fortificações e túmulos diferenciados na Ilha do Marajó (foz do Amazonas) e nos
arredores de Santarém (foz do Tapajós). Antrossolos (“terra-preta-do-índio”),
da ampla distribuição na bacia amazônica, também evidenciam a manipulação
pré-colombiana da paisagem natural (Smith, 1980). Muitas paisagens, solos e
florestas da Amazônia atual sugerem um fator humano muito antigo - mas não um
fator humano qualquer; pois este fator não estava associado a uma
sociedade-Estado dependente de combustíveis fósseis.
Os
índios amazônicos recentes usam e manejam a floresta de várias maneiras,
algumas delas distintas das de seus antepassados pré-colombianos. Os atuais bandos
de caçadores-coletores das florestas da Amazônia oriental, como os Guajá, que
não derrubam ou queimam a floresta para cultivo, exercem menor influência sobre
a composição da floresta que o fizeram os cacicados amazônicos pré-colombianos,
alguns dos quais poderiam estar a caminho de uma organização estatal na época
da conquista européia. [...]
Os caçadores-coletores Guajá,
Avá-Canoeiro e Héta falam línguas da família tupi-guarani. O vocabulário para
plantas da língua-mãe, o proto-tupi-guarani, falado há cerca de 2.000 anos
atrás (Migliazza, 1982), continha numerosas palavras para cultígenos
neotropicais, como o milho, a mandioca, o inhame, a batata-doce, o abacaxi, o
amendoim, a cabaça, a cuia, o caju, o urucu e o caroá (cf. Lemle, 1971;
Rodrigues, 1988). Assim, essas línguas modernas de caçadores-coletores são
descendentes de uma proto-língua associada a uma sociedade horticultora. Estes
povos perderam a horticultura e suas plantas domesticadas provavelmente por
causa da violenta depopulação que se seguiu à conquista européia e a
consequente introdução de doenças do Velho Mundo, que desestabilizaram as
sociedades nativas, induzindo-as progressivamente a um nomadismo. Nos trópicos,
o nomadismo em tempo integral é incompatível com a horticultura. [...] As culturas
indígenas de hoje, em outras palavras, descendem em larga medida de remotos
ancestrais pré-colombianos, apesar das recentes influências ocidentais que
muitas delas têm sofrido. a maioria das espécies cultivadas, ou daquelas que os
índios atuais exploram na floresta primária e na capoeira, são também
neotropicais, o que mostra uma outra conexão com o passado pré colombiano.
Muitos índios amazônicos atuais certamente continuam parecidos com seus
antepassados - eles ainda são índios - no que se refere aos seus recursos
vegetais e às formas de uso destes recursos.
As
práticas de manejo dos recursos de índios horticultores ou forrageadores na
Amazônia de hoje são menos destrutivas para o ambiente, segundo qualquer
critério, do que as de nossos vizinhos Estados nacionais com sua economia
baseada na queima de combustíveis fósseis. [...]
Sim,
os cacicados pré-colombianos e as modernas sociedades aldeãs horticultoras
alteraram e continuam a alterar o ambiente “natural”. Mas para a arqueologia do
futuro, as covas para sepultamentos indígenas e as fortificações (como
paliçadas) irão representar um tipo de manifulação ambiental qualitativamente
diferente daquele dos megaprojetos como as represas hidrelétricas de Tucuruí,
Samuel e, se for construída, Kararaô (no Xingu). As trilhas e estradas que
ligavam as aldeias indígenas amazônicas, muitas das quais, como aldeias dos
índios Tapajós na boca do rio do mesmo nome, eram
centros urbanos incipientes (Roosevelt, 1989), nunca rivalizarão com as
estradas Belém-Brasília, Belém-São Luís e Transamazônica, em termos de
conversão de habitat. Os restos vegetais carbonizados de aldeias, roças e
capoeiras indígenas pré-históricas irão indicar muito mais espécies de árvores
do que os estratos indicativos de pastagens para o gado ou campos
monoespecíficos de arroz. Por fim, não há realmente nenhum equivalente indígena
para o envenenamento de rios e lagos por mercúrio na moderna corrida do ouro na
Amazônia”. (cf. BALLÉE, William. Biodiversidade
e os índios amazônicos. In: CASTRO, Eduardo Viveiros de. et CUNHA, Manuela
Carneiro da. (organizadores). Amazônia:
etnologia e história indígena. São Paulo, Núcleo de História Indígena e do
Indigenismo da USP/FAPESP, 1993, p. 385-393).
Esta foi a Amazônia
indígena que deu lugar a Amazônia lusitana. Não resta dúvida que a Amazônia
lusitana só poderia ser construída com a destruição da Amazônia indígena. Os
índios e as índias foram manipulados ao sabor das conveniências conjunturais
dos portugueses. Em momentos das ameaças dos concorrentes ingleses, franceses e
holandeses são sub-súditos transformados em soldados. Quando aliados aos
concorrentes são inimigos, infieis; quando se negam ao trabalho forçado são
gentios indolentes. Enfim, são esses e outros atributos menosprezíveis que irão
marcar os índios e as índias ao serem integrados na Amazônia lusobrasileira e
que sobrevivem até aos nossos dias de Amazônia contemporânea ou dos incentivos
fiscais.
De
qualquer forma é impossível apagar os traços indígenas da Amazônia qualquer que
seja a sua manifestação. Ainda que estropiados os índios não se dão por
vencidos, marcam presença em todas as versões de Amazônia, inclusive hoje
quando a Amazônia dos incentivos fiscais não consegue se desvencilhar da
herança indígena primitiva. As hidrelétricas, as estradas, os garimpos, as
madereiras, as grandes fazendas, enfim todos os projetos do Estado brasileiro
sempre se deparam com as nações indígenas resistentes que não são tratadas como
nações, mas como sub-pessoas negando-se a autonomia política para tratar de seus
interesses abolindo-se a soberania sobre seus próprios territórios, negando-se
plenamente a sua autodeterminação.
“No
plano legal, o índio sempre teve reconhecido seu direito à terra. Esta
prerrogativa data de um alvará de 1680, que os define como “primários e
naturais senhores dela”. Este direito é confirmado e ampliado pela Lei nº 6, de 1755 e por toda legislação
posterior. Entretanto, o índio, reduzido à escravidão, esbulhado de suas
terras, praticamente nunca desfrutou desses direitos. Assim os encontrando a
legislação monárquica, tenta remediar a situação com o Decreto nº 426, de 1845,
que não só reconhece os direitos estatuídos em 1680 e confirmados no regime de
posse de 1822 mas ainda procura levar ao índio a assistência direta do governo,
através da criação de núcleos de amparo e catequese, onde pudesse gozar das
garantias facultadas em lei.
Daí
em diante, porém, começam as interpretações porque a lei já não faz referência
explícita aos índios. Havendo praticamente desaparecido de toda a costa e
sobrevivendo apenas nas regiões mais longínquas, passaram despercebidos dos
legisladores que estabeleceram, em 1850, o regime de propriedade das terras no
Brasil. O regulamento de 1854, apenas confirma o
direito dos índios às terras em que vivem enquanto terras particulares,
possuídas a título legítimo.
A
constituição de 1891 transfere aos Estados o domínio das terras devolutas que
até então eram do domínio Imperial. Subsiste naturalmente, o direito às terras
possuídas em termos legalmente definidos nos regimes anteriores, inclusive, e
principalmente, as dos índios”. (cf. RIBEIRO, Darcy. O problema indígena. A posse do território tribal.
In: ____. Os índios e a civilização. Petrópolis,
RJ, Vozes, 1977, cap. VII, p. 198).
Ao
nível da retórica, o Estado brasileiro, na constituição de 1988 afirma no
Capítulo VIII, do Art. 231. “São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens”, mas na prática as leis ordinárias
dificultam quando não impedem que as nações indígenas exerçam a soberania sobre
suas terras e recursos.
“Muito mais do que as garantias da lei,
é o desinteresse econômico que assegura ao índio a posse do nicho em que vive.
A descoberta de qualquer elemento suscetível de exploração - um seringal,
minérios, essências florestais ou manchas apropriadas para certas culturas,
equivale à condenação dos índios, que são pressionados a desocupá-la ou nelas
morrem chacinados. E não são necessárias descobertas excepcionais para que os
índios sejam espoliados”. (cf. RIBEIRO, Darcy. op. cit. p.
199).
Por
sua vez a Igreja Católica através do CIMI reformulou seus princípios de atuação
de evangelização indígena:
“A
Igreja católica unificou a ação missionária junto aos indígenas do Brasil
através do Conselho Indigenista Missionário. O Diretório Indígena de ação junto
ao índio, adotado pelos missionários é o seguinte: 1) Aculturação lenta,
paulatina, sem precipitação na história, sem qualquer pressão, sem ruptura com
o passado, realizada através de longos períodos e por métodos persuasivos e sem
interferência violenta na vida, nas crenças e nos costumes. 2) Conhecimento e
respeito às culturas indígenas, o que leva o agente aculturativo a ter uma
atitude de que prestigia o índio e o promove para aculturação social,
econômica, política, material e religiosa e sem etnocentrismo. Cabe ao índio
selecionar os traços culturais que convêm”. (cf. SCHLESINGER, Hugo et PORTO, Humberto. Indígenas do Brasil. In:
____. Dicionário Enciclopédico das
religiões. Petrópolis, RJ, Vozes, 1995, p. 1372).
A
grande maioria dos cientistas sociais que tratam da questão admitem ou adotam
como marco inicial da construção da Amazônia lusitana, base das Amazônias que
se sucederam no tempo, ou que coexistiram ou ainda coexistem, a fundação do
forte do presépio em 1616 após a expulsão dos franceses do Maranhão.
Antes
de efetivamente buscarmos o processo de construção da Feliz Lusitânia julgo
oportuno buscar na história, na filosofia, na antropologia e demais ciências os
fundamentos teóricos, a conjuntura econômica política e social enfim os
princípios gerais que contribuíram para a concepção e execução da Amazônia lusitana.
“A
cultura européia e a civilização que a defende, a veicula e a instrumentaliza
arrancaram da Europa e aportaram em terras de América, a partir dos fins do
século XV. E aqui firmaram, sobre os destroços de outras culturas e
civilizações.
Foi um ato de dominação, de
desapossamento, de desrazão. E foi um ato constitutivo de periferia.
Constituíram-nos, os europeus, periferia do mundo ocidental.
A
nossa cultura (inclusive a cultura geográfica) nasce desposuída de si mesma,
nasce dominada. De tal maneira que, traçar os caminhos da razão, na história da
nossa pátria, é traçar os caminhos da dominação cultural e é ouvir os gemidos
da libertação. [...].
“O
Brasil português nasce, cronologicamente, em pleno arrebentar da modernidade. E
Portugal não esteve longe dessa. Até meados do século
XVI, Portugal e Espanha participaram, ativamente, do surto renascentista. [...]
O Estado português e a Igreja Católica como que chegaram a um pacto, mediante o
qual o Estado se comprometia a manter a Igreja, na plenitude de sua autoridade
e exclusividade - salvando Portugal do cisma - e a Igreja se dispunha a ser o
cimento moral da nação portuguesa, fortalecendo, assim, as condições para o
firmar-se da monarquia lusitana. Era um projeto de continuação da cristandade
medieval”. (cf. LARA, Tiago Adão.
Os caminhos da razão no Brasil. A razão sacra a serviço da dominação. In: ____.
Caminhos da razão no ocidente.
Petrópolis, RJ, Vozes, 1986, cap. VII,144-5).
O
que caracteriza a ação colonizadora portuguesa é a sua legitimação através dos
teólogos cristãos e católicos. Aqui, diferentemente dos outros colonizadores “a
missão civilizadora dos europeus” de que falava Vidal de La Blache é
sacralizada, e a dominação portuguesa não é só o predomínio da racionalidade
profana européia sobre a barbárie indígena mas também e principalmente a
erradicação do paganismo dos índios, considerados gentios e a imposição
violenta da moral e dos dogmas cristãos.
“Ao
comentar a afirmação de Walter Benjamim: “Não há um único documento de cultura
que não seja também um documento de barbárie” Marilena Chauí escreve
oportunamente: “O documento de cultura é também documento de barbárie, seja
porque a cultura dominante se realiza a expensas da violência exercida sobre
aqueles que a tornam possível, seja porque a cultura dominada fica exposta à
barbárie do dominante, seja enfim porque a cultura dos dominados exprime a
barbárie a que estão submetidos”. (cf. AZZI, Riolando. Mentalidade lógica versus consciência mítica.
In: ____. A cristandade colonial um
projeto autoritário. São Paulo, Edições paulinas, 1987, cap. 7, p. 124)*.
A
violência cometida contra as nações indígenas está implícita na lógica do
capitalismo concorrencial. O Estado monárquico português não poderia se
estabelecer na Amazônia sem o afastamento dos concorrentes europeus, ingleses,
holandeses e franceses, os inimigos externos e sem a destruição dos inimigos
internos, as nações indígenas resistentes à dominação. Assim, uma vez
estabelecidos em Belém os portugueses iniciam a matança dos índios.
“Mas
foi sobretudo depois da fundação de Belém, em 1616, que começaram os martírios.
O cronista Berredo relata como Pedro Teixeira agia, qual um Cortez no México,
matando e incendiando a região entre São Luís e Belém à procura de uma ligação
terrestre estável entre ambas as vilas, o que se tornara imperioso - do ponto
de vista dos invasores - diante da possibilidade de um bloqueio marítimo dos
portos de Belém e São Luís por nação inimiga. Este Pedro Teixeira, que ao lado
de Bento Maciel, Jerônimo de Albuquerque e Antônio de Albuquerque era um dos
grandes exterminadores do povo Tupinambá, andava acompanhado de criminosos
portugueses chamados na época “degredados”, ou seja, emigrantes forçados e que
ele arregimentava sob o nome de soldados, e de índios chamados “tapuia”,
inimigos dos Tupinambá. Diante da violência da tropa de Teixeira os índios se
revoltaram em Cumã, Caju, Mortiguara, Iguape, Guamá, mas estas revoltas
serviram apenas de pretexto para novas incursões e novos massacres. Em 1619 o
líder Tupinambá Cabelo de Velha atacou a cidade de Belém, o que foi motivo para
um “castigo” exemplar: Pedro Teixeira foi autorizado a sair com quatro
embarcações, muitas canoas, cem soldados e grande número de índios “domésticos”
para fazer guerra ofensiva nos lugares onde viviam os indígenas: “E suas
aldeias reduzidas a cinzas serviram também para os aparatos de vitória”. (cf. HOONAERT, Eduardo. A Amazônia e a cobiça dos europeus. O extermínio
dos indígenas. In: ____. História da
Igreja na Amazônia. Petrópolis, RJ, Vozes, 1992, cap. II, p. 54).
Na
verdade por volta de 1635 os tupinambá estavam praticamente exterminados.
Em
1629, Pedro da Costa Favela e seu xará Pedro Teixeira após expulsarem os
ingleses do forte Torrego ou Taurege, edificado na foz do Rio Mazagão, hoje
Santana, chacinaram os nhengaíbas sob a acusação de colaboração com os
ingleses.
“Em
1639 chegou a vez dos Tapajós serem martirizados. Em 1626 Pedro Teixeira esteve
com eles, mas como eles se mantinham amistosos em relação aos portugueses não
houve maiores represálias. Acontece que eles não queriam deixar suas terras e
por isso Bento Maciel Parente lhes declarou guerra em 1639. Colocados entre a
morte ou a dominação, os Tapajós escolheram a segunda opção, foram desarmados,
encurralados e obrigados a fornecer mil escravos aos portugueses, entre filhos
e aliados. Para evitar a escravidão, os tapajós passaram a colaborar na
escravização de outros grupos, a fim de atingir o número de mil índios “de
corda”. O martírio deste povo terminou nos 1820-1840, quando foram completamente
extintos”. (cf. HOORNAERT, Eduardo. Op.
cit. p. 55).
No
ano de 1663, por ordem do governador Vaz de Siqueira, o Capitão Pedro da Costa
Favela comandando quatrocentos soldados e quinhentos índios em uma frota de
trinta e quatro canoas subiu o Rio Urubu exterminando as tribos dos guanavenas,
caboquenas e dos bararurus que haviam se rebelado contra uma tropa de resgate.
Este foi um dos mais cruéis e sangrentos episódios da colonização portuguesa na
Amazônia ocidental.
Ainda
na Amazônia ocidental foi em 1627 que os Manaos, tribo líder do vale do Rio
Negro juntamente com seu morubixaba Ajuricaba e seus aliados Mayapenas foram
cruelmente aniquilados por tropas portuguesas chefiadas por Belchior Mendes de
Morais. O caso da resistência dos Manaos ainda hoje está por ser serenamente
pesquisado, analisado e desmitificado. Mas pelo que se conhece, sem dúvida
alguma é um dos mais altivos exemplos de resistência indígena à dominação
portuguesa na Amazônia.
Por
essa mesma época, os Aruan, que segundo Antônio Vieira eram mais de 29 grupos
habitando a Ilha do Marajó, já tinham sido completamente exterminados pelos
portugueses.
Referindo-se
aos conquistadores portugueses da Amazônia, o historiador português João Lúcio
de Azevedo “um dos grandes nomes da historiografia luso-brasileira da metade
deste século (xx)”, segundo Geraldo Mártires Coelho, assim se manifesta:
“Tétricas figuras são as destes heroes do Novo Mundo,
quando nos apparecem espalhando o terror entre as populações dóceis e inermes;
arrostando perigos, trabalhos e privações incríveis, na busca de thesouros e
domínios, descobrindo em toda a sua hediondez a perversidade humana, quando
para contel-a falta a hipocrisia do respeito às leis. Como alcatéia de feras,
assolando os bosques, nunca esses aventureiros se viam fartos de sangue; e de
ouro e poderio tinham sede insaciável”. (Cf. AZEVEDO, João Lúcio de. O descobrimento. In: ____. Os jesuítas
no Grão-Pará. Belém, SECULT, CAP. I, p. 17, 1999).
Sintetizando
o processo de colonização da Amazônia o historiador José Valente, na sua coluna
"Hoje
na vida do Pará", nos relata o seguinte:
"1740. O livro "Brasil, Colômbia e Guianas",
de Ferdinand Denis, enumera os mais sanguinários governadores, capitães mores e
capitães que passaram pela capitania do Grão Pará. Foram os seguintes:
capitão-mor Francisco Caldeira Castelo
Branco – tinha o mórbido prazer de passar o fio da espada pela goela de
inermes índios, principalmente de mulheres e crianças; capitão-mor Bento Maciel
Parente – seus "olhos brilhavam de estranho prazer quando o índio
esperneava na ponta de uma corda"; capitão-mor Jerônimo Fragoso de
Albuquerque – fidalgo da casa real (imagine se não fosse) extinguiu as tabas
aborígines, de modo impiedoso, dos índios Iguapé, Guanapu e Caripi, nos
arredores de Belém. Mandava fazer enormes montes de lenha e os sobreviventes
eram queimados vivos. Fragoso de Albuquerque "sentia enorme prazer em
aspirar o cheiro acre da carne queimada"; os capitães Pedro Maciel Parente
e Vital Maciel Parente, sobrinhos do capitão Bento Maciel Parente,
"gostavam de ouvir o som cavo da borduna, na cabeça do pobre índio";
capitão-mor Manoel de Sousa de Eça matava o aborígine com um fino fio de cobre,
fazendo torniquete em seu pescoço; capitão-mor Luiz do Rego Barros os eviscerava.
Esses foram os que mais se destacaram no extermínio de um povo: não que os
demais capitães não os matassem, mas o faziam rapidamente
("humanamente", segundo eles)". (Cf. VALENTE, José. Hoje na vida do Pará. O Liberal. Cartaz, Belém, p. 7, 28 mar. 1999).
Esses
fatos parecem distantes no espaço/tempo, entretanto a presença dos índios ainda
incomoda as elites da sociedade brasileira. Os grandes projetos do Estado
brasileiro ainda se deparam com as tribos indígenas resistentes: as estradas,
as hidrelétricas, os projetos agrominerais, a exploração das madeiras e dos
fármacos etc.etc...e a crueldade contra a presença dos índios continua a mesma.
O episódio do índio pataxó Galdino que foi queimado vivo em Brasília é muito
expressivo da violência que ainda se comete contra os índios.
Elencamos
apenas os mais conhecidos massacres cometidos pelos portugueses contra os
índios para que pelo menos estes nos sirvam para um resgate completo das
dívidas humanitárias que toda a civilização ocidental tem para com estas
nações.
“Quando
se fala do avanço da civilização em face dos grupos indígenas, o que se tem em
mente, em geral, é a enorme distância entre a técnica e o equipamento de
domínio da natureza de uma tribo silvícola e de uma nação industrial moderna.
Assim, a “civilização” pareceria um destino desejável para qualquer tribo,
porque representaria o acesso a toda a “herança social da humanidade”.
Na
prática, porém, para uma tribo qualquer, - para os índios Kaapor, por exemplo -
a civilização que lhes é acessível representa coisa bem diversa do progresso
industrial e dos requintes da ilustração. (cf. RIBEIRO, Darcy. As coerções sócio-econômicas. Engajamento
compulsório. In: ____. Os índios e a
civilização. Petrópolis, Vozes, 1987, cap. X, p. 339).
Mas,
é preciso dizer que a matança dos índios tinha um limite, pois que os
portugueses necessitavam de mão-de-obra para a construção das cidades e de
moradores que assegurassem a posse dessas terras e suas riquezas para o reino
de Portugal.
Quanto
ao combate aos inimigos externos Arthur Cézar Ferreira Reis dá-nos um resumo
cronológico muito oportuno da ação do governo português na salvaguarda da
Amazônia para sua soberania:
“1616
- Pedro Teixeira e Gaspar de Freitas de Macedo atacaram um patacho holandês que
se aproximava de presépio afundando-o. 1623 - Luís Aranha de Vasconcelos e
Bento Maciel Parente, tendo como subordinados Francisco de Medina, Pedro
Teixeira Aires Chincharro e uma força expedicionária recrutada em Lisboa,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Pará, mais um contingente de 1.000
índios frecheiros, coordenados pelo franciscano Cristóvão de São José, atacaram
povoações inglesas e holandesas localizadas ao longo do Amazonas, em Gurupá e
na ilha dos Tocuju. Ali se encontraram seis fidalgos ingleses, que foram mortos
em combate; os fortes derrubados, afundados dois navios e aprisionados centenas
de combatentes inimigos.
Em
1625, Pedro Teixeira, Pedro da Costa Favela e Jerônimo de Albuquerque
assaltaram as posições holandesas e inglesas do Xingu, destruindo-as e capturando
os ocupantes.
Em
1629, Pedro Teixeira e Pedro da Costa Favela tomaram o forte de Torrego, na
ilha dos Tocuju.
Em 1631, foi a vez de Jácome Raimundo e
Noronha e Pedro da Costa Favela apoderarem-se do forte North, no litoral do
Macapá. No mesmo ano, Feliciano Coelho tomava e destruia o forte Cumaú, impondo
um duro castigo aos Nhengaíba, que ajudavam os estrangeiros.
Em
1639, João Pereira de Cáceres, comandante da praça forte do Gurupá,
apoderava-se de um patacho holandês que tentava desembarcar colonos nas
cercanias do estabelecimento.
Em
1648, por fim, registrou-se o último ataque. Sebastião Lucena de Azevedo
desteruiu as fortificações holandesas dos lagos da região do Macapá”. (cf. REIS, Arthur Cézar Ferreira. Ingleses,
irlandeses e holandeses tentam a primeira surtida. In: ____. A Amazônia e a cobiça internacional.
Rio de Janeiro: Civilização brasileira; Manaus: Suframa, 1982, cap. II, p.
29-30).
Para
se prevenir da ameaça francesa sobre a Amazônia Felipe IV cria em 14 de junho
de 1637 a capitania do Cabo Norte concedendo-a em caráter perpétuo a Bento
Maciel Parente que manda construir o forte do Desterro na vila de Almeirim.
Nessa época, pela palavra autorizada de La Condamine fica-se sabendo da
comunicação existente entre o Amazonas e o Orenoco. Consequência disto é que
fica-se sabendo também que a região das Güianas terá como fronteira ocidental o
Peru. Era portanto mui conviniente que Portugal se apossasse dessas terras à
margem güianense do Rio Amazonas.
Em
16 de agosto de 1639 a vinte graus de longitude do Oiapoque Pedro Teixeira
tomou posse para o reino de Portugal em nome do Rei Felipe IV de toda a parte
meridonal da Güiana desde a margem direita do Oiapoque até a margem esquerda do
Napo. Esta viagem de Pedro Teixeira é comumente admitida como a demarcação
geográfica da Amazônia lusitana.
No
processo de construção da Amazônia lusitana, sobretudo os historiadores
destacam o período denominado de “era pombalina”. Nesse momento o Estado
monárquico absolutista português exercendo uma política mercantil colonialista
consolida todo o seu poder sobre a Amazônia.
Esse
processo de consolidação do Estado monárquico absolutista português na Amazônia
segue em suas grandes linhas ao processo de constituição dos outros Estados
modernos. É por isso que a economia mercantil será internacionalizada; a
administração política e econômica será exercida em uma base territorial
unificada. A presença sensível do estado sobre os súditos se fará também
através da organização do fisco e sobretudo da força das armas do exército. Não
poderia faltar os agentes ideológicos representados pelos missionários.
“a
natureza do Estado moderno necessita do estabelecimento de limites bem
definidos para sua área de soberania e organização. Para todas as suas
multifárias atividades de administração, de tributação, de defesa, de comércio,
etc. etc., o seu território precisa ser claramente limitado, não por áreas
fronteiriças, mas por linhas inconfundíveis. Essas linhas são os limites
interestatais. Sem elas, o presente sistema de Estados ficaria reduzido ao
caos, pois seria impossível saber-se onde terminaria a soberania de um Estado e
onde começaria a do outro. Já não há muito espaço para as “zonas neutras” ou
“terras de ninguém””. (MODDIE, ª E.
Fronteiras e limites. In: ____. Geografia
e política. Rio de Janeiro, Zahar, 1965, cap. V, p. 83).
É
necessário que se diga que apesar do vanguardismo lusitano na expansão
mercantil e colonial isso não levou às transformações necessárias à ruptura com
o “antigo regime”, muito pelo contrário. Enquanto franceses, ingleses e
holandeses iniciam esse movimento movidos pela concorrência a que foram levados
pela economia em que estavam se envolvendo, Portugal alicerça toda essa
movimentação em bases teológicas alegando o direito canônico das bulas pontifícias
que davam a Portugal a missão de reduzir os povos infiéis à servidão de sua
magestade e da Igreja católica. Com isso a religião será usada como mais uma
força reacionária contra as transformações que estavam ocorrendo na Europa,
impedindo a secularização total do poder político.
O
mercantilismo português não fomentou a produção de manufaturas limitando-se ao
intermediarismo, sendo suas necessidades de manufaturas satisfeitas pelas
outras nações européias ficando Portugal fora do grande processo de acumulação
que estava ocorrendo nos outros Estados europeus. Consequência disto é que
concretamente não foi possível o surgimento de uma burguesia empreendedora
livre da proteção do Estado, mas sempre dependente dos favores e incentivos
governamentais e a manutenção de uma nobreza parasitária, decadente, altamente
dependente de cargos nos aparelhos de Estado. Daí o patrimonialismo, nepotismo
e empreguismo do Estado brasileiro herança genética do Estado português.
No
nosso entender é no período pombalino que com os esforços para criar a Amazônia
lusitana, ou seja, para firmar a presença do Estado português na Amazônia é que
se colocam as sementes para a germinação da Amazônia Brasileira. O Estado
português presente na Amazônia colocará em uma mesma base territorial, onde
predominavam os rios e as florestas, um clima quente e úmido prepostos do
Estado português, governadores, funcionários, juízes, militares, aventureiros,
degredados, missionários e outros tantos mais em contato com os nativos, os
índios e as índias e com os negros, escravos, alforriados ou fugidos que com o
passar do tempo formarão uma sociedade com características próprias. Uma
sociedade regional que como todas as outras sociedades terá suas contradições.
Mas sobretudo terá seus interesses específicos embora conflitantes entre os
seguimentos que a compõem, como também com o poder central metropolitano.
Na
verdade o que fará com que a Amazônia se torne a Amazônia dos portugueses é
toda uma política derivada do exclusivismo colonial de afirmação da nacionalidade
portuguesa em relação à França, Inglaterra, Holanda e Espanha. Nesse sentido
concorreram também as obras de edificação das cidades, dos fortes, a
distribalização dos povos indígenas e sua consequente integração à sociedade
regional como mão-de-obra sob a égide da coroa portuguesa.
“...
as edificações não foram inspiradas por uma alucinação de grandeza em meio da
selva amazônica, nem eram muito menos indício de riqueza local. Produtos de um
certo tipo de inteligência, os grandes objetos assim como outros elementos da
estratégia portuguesa pombalina, foram implementados como símbolos de poder,
como símbolo da ‘presença’ do Estado e, como tal, uma forma de assegurar a
posse territorial a longo prazo e impulsionar a curto prazo, a economia local.
E estavam equivocados? Quase cincoenta anos depois, quando Humboldt chegou ao
Rio Negro em sua famosa viagem de 1799, se surpreendeu ao saber que estava
entrando em Portugal e, sobretudo, de ver índios, negros e mestiços, chamarem a
si mesmos de portugueses”. (cf.
MACHADO, Lia Osório. As expedições científicas e o conhecimento do território.
In: ____. Mitos e realidades da Amazônia
brasileira no contexto geopolítico internacional. 1540-1912). Universidade
de Barcelona, 1989, Tese de doutorado, 1º vol., cap. 2, p. 133-4)**.
Corroborando
todas essas medidas consideramos que é a criação do Estado do Grão-Pará e do
Maranhão (31 de julho de 1751) ligado diretamente à Lisboa e separado das
outras regiões brasileiras que aguça mais ainda esse sentimento de identidade
com a Amazônia e de alteridade em relação as outras regiões do país buscando a
afirmação da Amazônia como região específica no quadro geral do Brasil e das
colônias ultramarinas.
O
governo português percebendo claramente a função geopolítica que a Amazônia
poderia exercer para a manutenção do Brasil para a coroa portuguesa cuidou da
sua valorização econômica desenvolvendo a agricultura, a pecuária incentivando
o extrativismo vegetal, a pesca e o povoamento inclusive premiando aqueles que
se casassem com as nativas, fortificando os pontos estratégicos tornando a
Amazônia uma verdadeira muralha protetora do espaço físico e político do Brasil
contra as investidas dominadoras dos concorrentes não só de caráter militar mas
também às nefastas influências revolucionárias
vindas da fronteira que pregava liberdade, igualdade e fraternidade.
Assim
constituída a Amazônia lusitana diretamente vinculada ao poder metropolitano,
imune às influências revolucionárias internas das outras províncias e dos
vizinhos fronteiriços, com seu vasto espaço territorial faria as ligações
físicas necessárias com o interior do Brasil e asseguraria uma saída
estratégica para o oceano através de Belém.
No
processo de formação dos Estados latino-americanos, julgamos importante
ressaltar que etnicidade e cidadania não se opõem, mas se completam. É possível
a convivência saudável entre cidadãos de etnias diferentes desde que haja
respeito pelos direitos fundamentais da pessoa e os Estados assegurem as
manifestações responsáveis de cultura, religião, costumes e etc.
Concluindo,
afirmamos que é necessário resgatar e destacar na formação territorial dos
Estados latino-americanos, o papel primordial e fundamental das nações
indígenas. Foram elas que contraditoriamente apontaram os caminhos da conquista.
Remaram, pescaram, caçaram para alimentar seus conquistadores. Foram elas que
com sua robustez física enfrentaram o calor equatorial e com o suor de seu
trabalho construíram igrejas, capelas, catedrais, palácios, colégios, fortes,
portos e etc., e asseguraram a posse da Amazônia para todos os atuais Estados
latino-americanos.
Prof.
Dr. Roberto Monteiro de Oliveira
Doutor
em Geografia pela USP
(Analista
de C&T do MCTI/INPA)
* O autor remete a: Manoel Domingues, «El alma de la raza», e Enrique Gandia, «História crítica de los mitos de la conquista americana», Madri,
1909.
**
Um aprofundamento sobre este tema encontra-se em : MACHADO, Lia Osório. A
conquista como empresa mercantil. El Dorado. In: ____. Mitos e realidades da Amazônia
brasileira no contexto geopolítico internacional (1540-1912). Tese
doutoral dirigida pelo Dr. Horácio Capel. Universidade de Barcelona, 1989, V.
1, p. 3-12.
*
O autor remete respectivamente para: Perro de Magalhães Gandavo, Tratado da Terra do Brasil. História da
Província de Santa Cruz, Itatiaia, Belo Horizonte, 1980, p. 124 e para:
Simão de Vasconcelos, Crônica da
Companhia de Jesus, 3º ed., Vozes, Petrópolis, 1977, v. 1, p. 97.
**
O autor remete para: Serafim Leite, Cartas
dos primeiros jesuítas do Brasil, Ed. IV Centenário, São Paulo, 1954, v. 1,
p. 112.
* O autor remete à
Marilena Chauí, Cultura e democracia, o discurso
competente e outras falas, 2ª ed., Editora Moderna, S. Paulo, 1981, p.
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