3 de jan. de 2012

A CONQUISTA DA AMAZÔNIA. DA MITOLOGIA À CRUEL REALIDADE DOS BRANCOS



“Um dia, contam, toda a gente ouviu da banda onde sae o Sol um estrondo grande, que fez tremer a terra. Um pagé velho, que estava ahi riu gostoso, depois disse: “Quem sabe, amanhã mesmo já chegam os comedores de gente que se pintam na minha imaginação.” (sic) Os companheiros estavam perto, ouviram isso, perguntaram logo que novidades ele via. Elle respondeu: “Há duas semanas já que eu vejo na minha mente gente que tem costumes feios subir este rio. Eles comem gente como onça.” Logo, dizem, os companheiros perguntaram o que era bom fazer adeante desta gente. O pagé respondeu: “Vocês esfreguem bem o uirari nos kurabis para elles não deixarem vivo quem eles espetarem. Homens e mulheres, todos hão de brigar.” Ninguém há de correr em face do inimigo, havemos de matar todos eles. Nosso pai o Sol, nossa mãe a Lua, conhecem já a nossa valentia.” Amanhã antes de nosso pai o Sol levantar-se, o filho do nosso tuicháua deve ir em cima da Serra do Tejú, para de la vigiar quando esta gente chega.” O pagé só disse assim. Aqulle estrondo grande que fez a terra tremer, dizem, foi este mesmo pagé velho que o fez para mostrar a toda gente o seu poder. Três dias depois o filho do tuicháua viu uma porção de gente subindo o rio, veio logo contar. O pagé então disse para o tuicháua: “Tuicháua, junta já a nossa gente, vamos esperar esta gente ruim na cachoeira.” Si elles bulirem comnosco havemos de brigar com eles; si chegarem como gente boa, como gente boa havemos de encontrá-los....” (cf. Kukuhi - Lenda baré. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Tomo 104, volume 158, 1928, p. 740-741).

Esta lenda baré nos diz qual a intenção dos índios no trato com os estrangeiros sejam quais forem as suas procedências. Cordiais e hospitaleiros com aqueles que demonstrarem possuir estas qualidades. Altivos e fortes com aqueles que se apresentarem como sendo gente ruim.
Infelizmente, os europeus ou mais precisamente os portugueses e espanhóis não chegaram como gente boa como imaginava o velho pagé, mas como gente ruim.
É importante afirmar logo de início o caráter imoral dos europeus na apropriação predatória da Amazônia. O princípio ético que norteou os comportamentos e atitudes dos europeus na conquista dos chamados povos ultramarinos por si só explica e justifica toda a perversidade usada contra essas pessoas, não só na América como na África, na Ásia e em todos os outros lugares: “ultra aequinotialem non peccatur”. (Além da linha do equador não se comete pecado).
A partir desse princípio não tem mais o que se discutir, tudo é permitido. Assassinatos cruéis e violentos das nações indígenas, abuso e violentação das índias, escravização dos negros e dos índios, depredação da natureza e etc.... Aos europeus conquistadores tudo é permitido para satisfazer aos objetivos do Estado e dos súditos: enriquecimento rápido e fácil, a qualquer custo.
Diferentemente das nações indígenas amazônicas os civilizados europeus colocam como princípio e disposição das suas relações com os chamados povos ultramarinos a permissividade em todos os níveis.
Esta será a marca indelével imposta à Amazônia pelos conquistadores europeus que acompanhará toda a sua trajetória histórica e geográfica: ser uma região colonial. Ou seja, uma região cujo projeto de desenvolvimento autóctone foi abortado pelos europeus massacrando e matando as nações indígenas e reduzindo os sobreviventes à condições subumanas. Esse é o grande desafio das gerações atuais: superar o colonialismo interno a que a sociedade amazônida está submetida aprimorando-se tecnicamente e politicamente comprometendo-se com soluções amazônicas para os nossos problemas.
Na verdade a conquista da Amazônia pelos europeus está envolvida pelo mito expansionista do Eldorado, o lugar do enriquecimento rápido e fácil, país utópico onde havia ouro em extrema abundância e onde se havia refugiado o último dos incas com todos os seus tesouros.
Esta lenda, durante o século XVI induziu muitos aventureiros a diversos pontos da Amazônia. O historiador português Jaime Cortesão faz um estudo geocartográfico minucioso sobre este e outros mitos amazônicos para concluir que se trata de mitos expansionistas.

“Dois ilustres historiadores, o paraguaio Manoel Domingues e o argentino Enrique de Gandia, numa série de trabalhos, mostraram à evidência que as lendas do Lago Dourado, das Amazonas e da Casa do Sol, correspondem a realidades históricas e fatos da civilização incaica, transmitidos e deformados pelos índios, que os não conheciam perfeitamente, e pelos conquistadores espanhóis, que os adaptaram à sua cultura de Europeus e às suas preocupações de guerreiros e homens de prêsa.
São tipicamente mitos de Conquista, criados pela imaginação ardente e o caráter heróico dos conquistadores, que não souberam descortinar, nas informações dos indígenas do Amazonas e do Alto-Paraguai, a miragem das opulências do império dos Incas. Essas lendas revestem-se nas narrativas espanholas duma espécie de alucinação visual, reflexo das aventuras prodigiosas de Cortez e Pizarro. Muito mais da última. Na essência brotaram do tumultuoso desejo de continuar a pilhagem dos palácios maravilhosos onde as paredes, os vasos e os objetos mais variados da suntuária, eram ou se diziam ser de ouro, prata e pedras preciosas. Nelas o aspecto geográfico é acessório e vago. E falta-lhes orgânica política.
Ao contrário, o mito português é essencialmente geográfico e político. O elemento maravilhoso apresenta-se como secundário e importado. Não passa dum prolongamento da miragem incaica”. (cf. CORTESÃO, Jaime. Realização geográfica e expansão do mito. In: ____. História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro, Instituto Rio Branco, [1965], tomo I, IV parte, p. 356).

Amazônia foi sempre considerada uma área de expansão da fronteira de grandes negócios. Atualmente, as frentes expansionistas vindas do Pacífico e do Atlântico se encontram aqui na Amazônia, fenômeno denominado pelos geógrafos comprometidos com o grande capital de “fechamento da fronteira”. Daí a agudização dos problemas inerentes à expansão capitalista: depredação da natureza, fomento de guerras interétnicas, concentração da terra, enfim, precarização dos padrões da vida, é o futuro chegando. E agora mano? E agora maninha?

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