24 de mar. de 2014

O INTELECTUAL ORGÂNICO DA GEOGRAFIA

Quero partir da mais terrível evidência que atormenta nossas vidas e dela tirar algumas conseqüências que também amarguram nossas existências. A profissão do geógrafo professor e do geógrafo profissional é exercida no seio da sociedade capitalista. Isso significa que os meios materiais de produção, terra, fábricas e máquinas, bem como os meios da produção intelectual, imprensa, rádio, televisão, cinema etc., pertencem ou são controlados por uma minoria proprietária desses meios.
Dessa realidade advém que a maioria proprietária vive da exploração do trabalho da grande maioria dos trabalhadores entre os quais os geógrafos. Devem ficar bem claro que toda produção de bens materiais e intelectuais está organizada para manter esta exploração. A grande maioria que são os trabalhadores trabalha em função dos privilégios e interesses das minorias proprietárias.
Para que essa situação não se altere a minoria proprietária tem necessidade de desenvolver para os trabalhadores um conjunto de idéias, valores etc..., que dêem legitimidade a esta situação. É por isso que as idéias e as decisões relativas aos trabalhadores são produzidas e tomadas por pessoas que estão muito próximas das influências das minorias proprietárias, deslumbradas e atraídas pelo luxo da vida dos exploradores e que de vez em quando saboreiam as migalhas da mesa de seus patrões. (É exatamente aqui que se situa e se dá o trabalho do profissional da Geografia).
É por isso que a classe dirigente capitalista fomenta o aparecimento de intelectuais, técnicos e cientistas alheios às condições precárias e miseráveis dos trabalhadores, mas próximos de algumas dos patrões para exatamente produzirem idéias e tomarem decisões que mantenham a exploração dos trabalhadores e os privilégios da classe patronal.
É nessa porção da classe média que se concentra e se monopoliza a capacidade de pensar e de definir sobre a vida dos trabalhadores. Esses profissionais da classe média vivem as contradições dessa situação. Em momentos de crescimento econômico se distanciam das condições da classe trabalhadora e se aproximam da classe patronal, mas em momentos de crise econômica quando seu padrão de vida cai, quando seus salários são achatados podem fazer alianças com setores de classe trabalhadora visando recuperar seus altos salários, seu padrão de vida, enfim, suas regalias e mordomias.
O serviço que a Geografia Crítica pode prestar aos geógrafos é mostrar esta triste verdade de que submetidos pelo regime capitalista os geógrafos, como os demais profissionais da classe média, tendem a pensar e atuar a favor da exploração dos trabalhadores empobrecidos.
Particularmente os geógrafos deterministas tradicionais desenvolveram a “naturalização da História”, ou seja, atribuem à natureza a responsabilidade das desgraças da classe trabalhadora. Por exemplo, não são as chuvas as responsáveis pelas calamidades a que são submetidos todos os anos os trabalhadores que moram nas encostas dos morros, nos vales alagadiços ou nas margens dos igarapés; não são as enchentes dos rios as responsáveis pelos flagelos anuais dos ribeirinhos; não é o calor o responsável por milhares de mortes por desidratação de crianças filhas de trabalhadores. É preciso desvendar as máscaras sociais como diz muito bem Rui Moreira.
É preciso que fique claro que todos esses males decorrem das relações sociais injustas que se estabelecem no seio da sociedade capitalista. É preciso explicitar que a política habitacional executada com o dinheiro dos trabalhadores exclui os trabalhadores. É preciso denunciar a ausência de uma política de saúde pública que atenda às necessidades e carências dos trabalhadores.
É preciso que se entenda de uma vez por todas que na base de todos esses males está o aviltamento do trabalho humano. Porque não ganha o suficiente para ter uma alimentação adequada é que o trabalhador e seus familiares estão constantemente expostos aos fatores adversos da natureza. É necessário portanto que o geógrafo profissional, que o professor de geografia tomem consciência dessa situação que, na maioria das vezes, consciente ou inconscientemente pensamos, atuamos e reforçamos a exploração dos trabalhadores com nossas boas intenções.
Assim como se diz que o inferno está cheio de gente com boas intenções podemos afirmar que a exploração dos trabalhadores é feita com a melhor das boas intenções. Consequentemente é preciso travar essa “guerrilha epistemológica”, como diz Lacoste, contra essa tendência dos intelectuais colocarem-se a serviço da exploração capitalista dos trabalhadores.
Acredito que é possível aos professores de Geografia e aos geógrafos profissionais colocarem-se a serviço das causas dos trabalhadores. Mas é difícil alistar-se nesse exército, é difícil optar a permanecer nessa luta que é dura, complexa, angustiante, cheia de conflitos interiores, de revezes e de frustrações. Mas contraditoriamente é uma luta de grandes alegrias interiores, de grandes satisfações existenciais e de grande crescimento e plenificação humana.
De fato essa situação de Geógrafo e do Professor de Geografia, como dos demais profissionais da classe média é muito conflituosa. De um lado são os apelos do modus vivendi da burguesia e de outro a convocação dos trabalhadores para a luta contra a opressão capitalista. Essa situação pode determinar duas atitudes. Uma é de negar a sua condição de profissional de classe média, procurando perder-se no meio da multidão, sendo mais um no meio do povo, abandonando as possibilidades concretas de colaborar nas lutas libertárias dos trabalhadores; a outra atitude é a de renunciar explicitamente ao compromisso de lutar pelos oprimidos uma posição de neutralidade mas acabando concretamente por se colocar a serviço da exploração dos trabalhadores.
É essa situação de ambigüidade que cria condições para o aparecimento do intelectual orgânico comprometido com as lutas dos trabalhadores. É aquele professor de Geografia e aquele geógrafo profissional preocupados em devolver aos trabalhadores a capacidade de decidir o seu destino, de se reapropriarem dos recursos e capacidades de que foram expropriados pela divisão capitalista do trabalho.
Professor de Geografia ou Geógrafo Profissional, ambos são na verdade intelectuais, ou seja são profissionais que pensam, planejam e organizam atividades da sociedade. Essa capacidade de pensar, planejar e organizar a própria vida foi tirada dos trabalhadores e essa situação é agravada na medida em que o capitalismo força os trabalhadores a desenvolverem apenas a capacidade de produção mecânica dos bens materiais sempre em função dos interesses da classe dominante.
O intelectual orgânico da geografia é aquele profissional que sabe que os trabalhadores expropriados que são de sua capacidade de pensar, planejar e organizar suas vidas em função de seus interesses necessitam de sua solidariedade para recuperar essas capacidades, mas reconhecem também que precisam de conhecimentos e experiências que só os trabalhadores possuem para atender melhor e desempenhar seu papel nas lutas libertárias dos trabalhadores.
Portanto, o professor de geografia ou geógrafo profissional que queira se comprometer com as lutas libertárias dos trabalhadores deve fazê-lo não porque tem boas intenções, isso seria uma mentira, mas deve fazê-lo estabelecendo uma relação de mútua solidariedade, consciente de que na verdade “ninguém liberta ninguém, os homens se libertam em comunhão”.
É a partir do estabelecimento dessas relações que o geógrafo professor e o geógrafo profissional, com a consciência de que tem muito  aprender com os trabalhadores e com a coragem dos que sabem que podem contribuir para encaminhar com êxito as lutas dos trabalhadores, poderão iniciar o seu trabalho de intelectuais orgânicos que através da prática da geografia ligam-se aos processos de transformação da sociedade em que vivemos.
Esse trabalho consiste em coletar, sistematizar e restituir ao povo a sua própria experiência histórica. Coletar a experiência histórica do povo significa pesquisar os eventos, os fatos vividos pelo povo em suas lutas, vitórias e derrotas, em seus avanços e retrocessos, seus erros e acertos para que o povo reviva orgulhosamente seu passado revitalizando suas forças para lutar pelo futuro.
Sistematizar a experiência do povo nada mais é do que dar sentido, dar uma finalidade aos fatos e eventos da experiência histórica do povo, descobrindo e exaltando as pessoas que se distinguem nas lutas da comunidade. Relacionar com as lutas populares os ditos, as estórias, as canções, o folclore. Duvidar de certas verdades dogmáticas ou dar uma formulação revolucionária. Por exemplo, “quem espera nunca alcança”, “devagar nunca se chega lá’”, etc... Enfim é dizer com clareza ao povo que todas essas idéias, costumes e valores, na maioria das vezes, só servem para manter o povo oprimido e explorado impedindo sua libertação.
Restituir ao povo sua própria experiência histórica significa devolver de uma forma nova, organizada criticamente a experiência do povo, é procurar mostrar que o povo foi capaz e a partir daí apontar as possibilidade futuras. É devolver ao povo a sua capacidade de pensar e agir no seu próprio interesse. É difundir a experiência popular em lugar da história oficial. Sintetizando é conscientizar o povo que ele é o artífice principal de sua história.
Neste momento em que a ciência descobre o real significado da natureza amazônica, dos seus rios e florestas para todo o sistema da Terra é preciso também resgatar a dignidade, a sabedoria e a generosidade de seu povo, índios e caboclos que não desvanecem de suas lutas e nos dão um exemplo de convivência harmoniosa entre si e com a natureza. Acho que os professores de geografia e os geógrafos profissionais não podem ficar fora dessas lutas, e o povo amazônida tem uma tradição de resistência ativa, desde os manaus com Ajurícaba passando pelos cabanos e recentemente com Chico Mendes.
É difícil avaliar essa tradição de luta porque foi tirado dos povos da florestas o direito de se desenvolverem como civilização autóctone, e os dominadores insistem em mantê-los analfabetos. Mas é uma tradição que consegue se manter na luta pela vida. À violência armada para destruir a floresta o povo opõe a forma pacífica dos “empates”. Ao engodo e à violência das motoserras quer o nosso povo as reservas extrativistas como forma de protesto contra o entreguismo destruidor das nossas florestas antes de tê-las estudadas e pesquisadas profundamente. Às formas escravistas de exploração do trabalho do regime capitalista nos seringais propõe o nosso povo o trabalho livre e solidário organizado cooperativamente.
É todo um mundo novo que está sendo pensado pela inteligência do povo e construído pelo seu trabalho, baseado na fraternidade e no respeito à natureza e você professor de geografia não pode ficar fora desses grande empreendimento que o maior grupo econômico do norte do Brasil, índios, negros caboclos, seringueiros, castanheiros, pescadores e Cia. Ltda., querem implantar na Amazônia com recursos próprios, sem os incentivos fiscais da SUDAM e da Suframa.
 Uma outra Amazônia é possível.
 
 
 
 
 
 

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