6 de jan. de 2012

AMAZÔNIA: A INTEGRAÇÃO DESUMANA E DESINTEGRADORA

Prof. Dr. Roberto Monteiro de Oliveira

Em um contextocontraditório de necessidades políticas e econômicas legitimadas por ideologiasbaseadas na teologia católica que o Estado português desenvolve uma açãouniformizadora de todas as nações indígenas impondo uma nova língua,inicialmente o nhengatu e posteriormente o português, uma nova religião ocatolicismo, enfim uma nova condição humana súditos-escravos, vestindo-se,morando e alimentando-se segundo um caricato modelo europeu.


“...O Estado paradesempenhar eficazmente sua ação em todo território, precisa de uma línguaúnica que possibilite uma ligação direta e permanente entre os indivíduos,cujas relações econômicas e sociais adquiriram dimensões nacionais, e o Governocentral. Por isso o Estado impõe a unidade de língua. Este objetivo, porém,nunca é alcançado na sua totalidade. Apesar do esforço de nacionalização dasminorias lingüísticas levado adiante pelos governos nacionais, nunca se realizaa unidade de línguas”. (cf. LEVI, Lucio. Nacionalismo. In: BOBBIO,Norberto et aliis. Dicionário depolítica. 5ª ed., Brasília/DF, UNB, 1993, vol. 2, p. 800).

Apesar da imposiçãodo português como língua obrigatória para toda população amazônica ainda hojese fala o nhengatu (a fala bonita) correntemente em todo o vale do Rio Negro.Na verdade com essa imposição o Estado português silenciou por completocentenas de nações indígenas que perderam o seu meio principal de transmissãode cultura, condenou para sempre os amazônidas a serem um povo sem históriapara contar já que a única forma de transmissão das tradições, dos costumesenfim da cultura, possível para os amazônidas era a linguagem oral, pois nãotinham escrita e um povo sem linguagem própria não tem como se expressar, se exprimir,não tem como se identificar.
Um povo sem linguagemoral e sem escrita é um povo sem memória, e um povo sem memória não tem comodesenvolver o amor próprio pelo contrário, desenvolve um sentimento de desamora si mesmo, se anula ou se reduz a expressão mais simples.

“Nada é maisnecessário aos índios que uma barreira ao processo de identificação com ospontos de vista dos civilizados que os levam a se olharem com os olhos dosbrancos, como pobres bichos ignorantes e desprezíveis, contra os quais tudo épermitido”. (cf. RIBEIRO, Darcy. A Amazônia extrativista. Ovale do Rio Negro. In: ____. Os índios ea civilização. Petrópolis, RJ, Vozes, 1977, cap. I, p. 33).

Também CharlesWagley, na sua clássica pesquisa Umacomunidade Amazônica observa que as pessoas descendentes do ameríndio, aocontrário dos negros, não gostam que se mencione sua ascendência indígena.
É necessário dizerque esta questão do idioma a ser falado pelos índios tem uma dimensãogeopolítica e que por via de consequência salvou algumas informações a respeitoda cultura dos índios.

“Uma das expressõesda civilização, em que os índios deveriam ser inseridos, era a línguaportuguesa. Aliás, o ensino do português era uma exigência das determinaçõesdos reis de Portugal, em vista dos índios serem seus “vassalos”, e, sobretudo,porque seria através desse instrumento da língua portuguesa que a corte régiairia garantir o fundamento jurídico de sua conquista em regiões que, peloTratado de Tordesilhas, deveriam ser da Espanha. Pois, em 1750, quando noTratado de Madrid se procura delimitar as fronteiras da América portuguesa eespanhola, o critério decisivo vai ser este: A América portuguesa vai até ondese falar o português.
Mas para os índioschegarem ao conhecimento da língua portuguesa, deviam os missionáriosprimeiramente conhecer as línguas indígenas. E sobretudo, porque a primeiraevangelização se daria através da língua do próprio índio.
Nessa busca deconhecimento das línguas indígenas, os missionários revelaram em seus escritosmuitos valores existentes nos povos indígenas da Amazônia”. (cf. FRAGOSO, Hugo. A visão da Igreja sobre a conquista dos índios“para Deus e para o Rei”. In: HOORNAERT, Eduardo (coordenador). História da Igreja na Amazônia.Petrópolis, RJ, Vozes, 1992, cap. V, p. 170).

Acrescentamos queessa questão a respeito da fala dos índios vém permeada por um outro odiosopreconceito contra as nações indígenas.

“Um dos conceitosmais divulgados pela literatura colonial a respeito da pobreza cultural dosindígenas é a extrema limitação do seu alfabeto, carecendo de três letrasbásicas: F, L e R. Tais letras eram consideradas como os símbolos dos elementosconstitutivos da própria civilização. [...] Na História da Província de SantaCruz, publicada em 1576, Gandavo declara a respeito da língua indígena: “Carecede três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa dignade espanto porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta vontade vivemdesordenadamente, sem terem além disto conta, nem peso, nem medida”.
Na Crônica daCompanhia de Jesus, Simão de Vasconcelos faz referências análogas aosindígenas: “Vivem ao som da natureza, nem seguem fé, nem lei, nem Rei (freiocomum de todo homem racional). E em sinal desta singularidade lhes negou tambémo Autor da natureza as letras F, L, R. Seu Deus é o ventre, segundo a frase deSão Paulo; sua lei e seu Rei são seu apetite e gosto”. (cf. AZZI, Riolando. Mentalidade lógica versus consiência mítica. In:____. A cristandade Colonial um projetoautoritário. São Paulo, Paulinas, 1987, cap. 7, p. 125-6).*

Outros autores engrossam esse tipo de consideração inclusive o PadreManoel da Nóbrega.

“Desde o início,Nóbrega adverte a respeito da dificuldade de se traduzir para a língua dosindígenas os conceitos religiosos, escrevendo: “Trabalhei para tirar em sualíngua as orações a algumas práticas de N. Senhor, e não posso achar língua queme saiba dizer, porque são eles tão brutos que nem vocábulos têm”. (cf. Op.Cit. p. 129).**


*O autor remete respectivamente para: Perro de Magalhães Gandavo, Tratado da Terra do Brasil. História daProvíncia de Santa Cruz, Itatiaia, Belo Horizonte, 1980, p. 124 e para:Simão de Vasconcelos, Crônica daCompanhia de Jesus, 3º ed., Vozes, Petrópolis, 1977, v. 1, p. 97.
**O autor remete para: Serafim Leite, Cartasdos primeiros jesuítas do Brasil, Ed. IV Centenário, São Paulo, 1954, v. 1,p. 112.

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