6 de jan. de 2012

AMAZÔNIA:O SENTIDO GEOPOLÍTICO DA DESORGANIZAÇÃO SÓCIOPOLÍTICA PRÉ-COLONIAL


Prof.Dr. Roberto Monteiro de Oliveira

“A caracterização do estadosócio-cultural das sociedades indígenas sul-americanas no momento da conquistaeuropéia é um esforço que data dos trabalhos de Alfred Métraux, que a partir de1928 começou o exame dos primeiros escritos dos cronistas. Nos anos recentes,intensificaram-se as pesquisas deste tipo entre os especialistas das terrasbaixas da América do Sul, e seus objetivos se ampliaram. Hoje em dia, não setrata mais apenas de “reconstituir” uma cultura material ou um sistemamágico-religioso anterior. Ao considerar a distância que separa as sociedadesdo passado daquelas do presente, trata-se hoje de compreender por quemecanismos, externos e internos, o trabalho da história se exerceu sobresistemas sociais tidos por frios ou insensíveis a seus efeitos. [...] Estaspesquisas estão modificando a visão tradicional das sociedades amazônicas comosendo sociedades pequenas, atomizadas, autônomas (“self-contained”, como dizemos anglo-saxões) ou mesmo isoladas umas das outras, que dominou a antropologiaamericanista desde o século XIX até bem recentemente. Aglomerados restritos degrupos locais ligados pelo parentesco, característicos da situaçãocontemporânea, só servem hoje como exemplares de si mesmos. Longe de atestar afixidez de um eterno ameríndio (como se diz, em francês, o “eternofeminino”...) imóvel em sua recusa da história, e um primitivismo supostamentehomogêneo, o socius amazônico atual é oproduto de transformações radicais das relações sociais e simbólicas, resultadoda recomposição de sistemas políticos que, em muitos casos, não ignoravam nem ahierarquia nem o poder. Na Guiana ocidental, onde já no século XVI repercutiamas lutas das potências européias, é possível estudarmos os efeitos dosempreendimentos coloniais sobre redes políticas indígenas estruturadas“horizontalmente” pelo entretecimento de grupos locais, pela circulação depessoas, de bens e de valores através de guerras ritualizadas, e em função daextensão flutuante das parentelas e clientelas de “homens eminentes”, o big menameríndios”. (cf. DREIFUS, Simone. Os empreendimentoscoloniais e os espaços políticos indígenas no interior da Guiana ocidental(entre Orenoco e o Corentino) de 1613 a 1796. (In: CUNHA, Manuela Carneiro da.et CASTRO, Eduardo viveiros de. (Organizadores). Amazônia: etnologia e históriaindígena. São Paulo, Núcleo de História indígena e do Indigenismo da USP:FAPESP, 1993, p. 19-20).

Deve ficar claroque a Amazônia primitiva, do ponto de vista das relações interétnicas nãodifere das outras comunidades humanas que se desenvolveram em outras partes domundo. Em contato com os europeus, precisamente com os portugueses, espanhóis,franceses e holandeses, mais adiantados tecnologicamente, tiveram a mesmasorte.
Os que tentaram aconfrontação na defesa de seus territórios foram simplesmente massacrados eeliminados pela violência dos conquistadores. Outras tribos foram cooptadasatravés de seus chefes transformaram-se em trabalhadores escravos ou doscolonos ou das ordens religiosas vindo a constituir posteriormente a massa detrabalhadores “livres” que se submetem às novas formas de exploração de suaforça de trabalho. Essa estratégia desestruturou as nações indígenas destruindoo seu modo de ser primitivo, suas identidades e singularidades culturaisintegrando-as uniformemente a um novo modo de produção.
Nessas condições,de extrema inferioridade e completamente desumanizados, os índios, passam afazer parte desse novo ordenamento geo-social, que foi a Amazônia portuguesa.Aqui também o capitalismo mostra uma de suas mais perversas características queé a erradicação de valores que constituem uma identidade cultural e imposiçãoviolenta de novas formas de comportamento. Na verdade ao entrarem neste novoordenamento geo-social os índios deixam a condição de homens livres e passam aser os “descidos” ou escravos.
“Descidos” naverdade foram os índios que persuadidos pelos missionários e escoltados pelosmilitares desciam de suas malocas para trabalhar nas “aldeias de repartição”onde ficavam sob o controle do “capitão de aldeia” e eram “repartidos” entre asordens religiosas, os colonos portugueses e as instituições da coroa.
Índios escravosforam na terminologia dos portugueses aqueles índios escravizados através dos“resgates”. Aqui, ao contrário dos “descimentos”, a iniciativa era das “tropasde resgates” que legitimadas pelos religiosos missionários promoviam “asguerras justas”. As “tropas de resgates” capturavam os índios, homens,mulheres, crianças e idosos e os levavam para os mercados de escravos onde eramadquiridos pelos colonos, pelos religiosos e pelos funcionários do governoportuguês.
Outra modalidade deatuação das tropas de resgate era trocar os índios capturados nas guerrasintertribais e que seriam sacrificados por quaisquer objetos de interesse deseus detentores. Esses índios eram encaminhados para serem vendidos nosmercados de escravos em Belém. Esses fatos mostram muito bem a cumplicidadeexistente entre o Estado português e a Igreja Católica, entre soldados emissionários. Ora os missionários solicitam os serviços da tropa para completarsua pregação ora é a tropa que requer a legitimação teológica do missionáriopara suas perversas ações.
Também na Amazôniaos índios adotaram como forma de resistência a clássica retirada estratégicapara áreas a salvo das investidas do inimigo. Dessa forma muitas naçõesindígenas conseguiram resistir até hoje. São aquelas nações indígenas que aliteratura própria denomina-os de índios arredios, semi-aculturados,semi-civilizados e outras denominações pejorativas que só denunciam preconceitoe discriminação contra os índios.
Na verdade estasnações indígenas constituem os sobreviventes da Amazônia portuguesa, osexcluídos da Amazônia brasileira e testemunhas de um modo de vida que ahumanidade sempre quis e idealizou mas que sempre projetou no passado e nuncajulgou possível no presente.
Aliás quando osTupinambás fugiram do litoral buscando viver no futuro uma vida autônoma,saudável e em liberdade foi para a Amazônia que se deslocaram esperandoencontrar a “terra sem males”, diferentemente dos hebreus que projetaram oparaíso terrestre no passado.
É necessário dizerque do ponto de vista dos europeus acusa-se algumas nações indígenas dealiarem-se aos inimigos de Portugal e por conseqüência da Igreja católica. Naverdade isto foi apenas pretexto para legitimar massacres das tribos indígenasresistentes uma vez que os índios nunca tiveram nos europeus aliados e oseuropeus sempre se serviram dos índios para atingir seus objetivos.
Sob pretexto dealiança com os holandeses os manaos e seus aliados mayapenas são exterminadospelas tropas portuguesas. Na verdade as autoridades holandesas premiavam a quemmatasse um manaos e colocaram vigilantes nas cachoeiras do Essequibo paramanter os manaos distantes de sua área. Os holandeses aproximaram-se dos manaoscom o claro objetivo de transformá-los em escravos.

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