8 de jan. de 2012

GEOPOLÍTICA: AS NAÇÕES E OS ESTADOS, A GEOGRAFIA E O TERRITÓRIO

Prof.Dr. Roberto Monteiro de Oliveira

INTRODUÇÃO- A questão do território não pode ser desenvolvida sem que sediscuta necessariamente a questão da nação, da sociedade, do Estado e daGeografia. Para a Geografia Crítica estas questões assumem hoje uma importânciamundial independentemente de quaisquer outras considerações, em função dasconseqüências da desagregação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticasque se instituíram com o slogam “trabalhadornão tem pátria” e em função da conjuntura geral, econômica, política ecultural vivida pelos países capitalistas na sua fase neoliberal que se estáchamando de globalização; e, emfunção dos novos acordos políticos e econômicos nos blocos mundiais de poder.
Repercutiu no Brasil apublicação nos Estados Unidos do livro “Thenext American nation” (A próxima nação americana) do jornalista Michel Lindonde o jornalista afirma que o desafio dos Estados Unidos hoje não é equacionaras diferenças entre as várias etnias que formam o “povo” norte-americano, massim evitar que as desigualdades entre as classes sociais “brasilizem” o país,ou seja evitar que se acentuem as desigualdades sociais concentrando asriquezas nas mãos de uma minoria.
O livro repercutiu em todo omundo provocando as mais diferentes reações entre multiculturalistas,democratas universalistas, antropólogos, sociólogos e outros. Contrariandotodos estes que afirmam que os Estados Unidos não constituem uma nação MichelLind categoricamente, afirma que os Estados Unidos sempre foram e continuarão aser uma nação. Segundo ele os Estados Unidos já superaram a questão racial e apergunta que deve ser feita não é se somos ou não uma nação mas que tipo denação queremos ser? (Cf. FALCÃO, Daniela. EUA sofrem “brasilização”, diz autor.Folha de São Paulo, São Paulo, 09 jul. 1995. o mundo. p. 1-26).
É evidente que para entenderessa questão é necessário, como em tantas outras, ter bem claro o conceito denação. Uma grande parte dos autores que tratam do conceito de nação afirmam queeste conceito aparece no discurso político na Europa a partir da revolução francesa,embora não fosse, como ainda hoje o é, um conceito unívoco.
O termo foi usado, porexemplo, entre os escritores do romantismo alemão no sentido lingüísticocultural. É entre os italianos, já na metade do século XIX que o conceito denação será utilizado no discurso político para fundamentar o poder doEstado/nação. O que queremos afirmar é que pode haver nação sem território masnão há território sem nação.
Estes dois conceitos estãointimamente associados de modo que é quase impossível falar isoladamente só deum deles. Na verdade o que dá sentido ao território são as nações. É muitodifícil tratar das questões inerentes ao conceito de nação, ainda que apenasteoricamente, sem suscitar polêmicas, quer seja pela variedade de sentidosatribuídos ao termo quer seja pelas múltiplas características que marcam osinumeráveis grupos humanos que se instituem como nações, e, como temos visto, otermo nação pode ser usado equivocadamente.
HISTÓRICODO CONCEITO DE NAÇÃO - Desde suas origens, no latim que a palavra natio vem tendo vários significados. Osetimologistas afirmam que a palavra deriva do verbo latino nascor significando o ato de nascer. Posteriormente passa asignificar o efeito, a origem, a estirpe aplicado à raça e à espécie em relaçãoaos seres inferiores. Com o passar do tempo houve uma fácil transposição paraas pessoas nascidas no território e em seguida aplica-se o termo ao próprioterritório e finalmente o termo é aplicado a um determinado grupo de pessoasque possuem um determinado grau de parentesco.
Modernamente o termo naçãofoi usado indiferentemente para significar Estado, povo, pátria e em sentidomais restrito e próprio a um grupo étnico distinto caracterizado porparticularidades bem marcantes.
Pode-se notar queinternacionalmente usa-se o termo nação como sinônimo de Estado. Exemplos: Ligadas nações, Sociedade das nações e atualmente Nações Unidas, ou ainda a naçãobrasileira e outras.
A outra grande dificuldadequando se aborda o conceito de nação é em relação aos chamados fatores danacionalidade, ou dito de outra forma as notas características que marcam aessência da nacionalidade.
A unidade de origem e detradições, de cultura, o idioma, a religião e o mesmo território são oselementos mais comuns com os quais os estudiosos caracterizam as nações. Éevidente que a partir daí pode-se deduzir uma gama enorme de definições ouconceitos. Nesse sentido podemos identificar uma corrente que privilegia a consciência da nacionalidade paraidentificar uma nação.
Outra corrente igualmenteimportante é aquela que busca na vontadede vida em comum das pessoas a característica principal de uma nação.
Existem duas correntesminoritárias que fundamentam o conceito de nação na língua e na raça. Existeainda uma corrente que distingue as nações pela civilização e cultura. Efinalmente, as correntes nacionalistas que confundem o Estado com a nação.
Atualmente podemosidentificar três pontos consensuais entre os estudiosos do conceito de nação.Em primeiro lugar não se deve identificar uma nação apenas por umacaracterística essencial. Mas deve-se buscar integrar várias características.Em segundo lugar é majoritária a distinção entre Estado e nação. E por fim éuma tendência marcante buscar a identidade de uma nação em características edeterminações psíquicas das pessoas, dos grupos e da sociedade.
CARACTERÍSTICASCOMUNS DO CONCEITO DE NAÇÃO - Os estudos da antropologiacorroborados por estudos de outras ciências permitem aos estudiosos afirmar comtoda segurança que não se pode fundamentar o estudo das nações a partir do vagoconceito de raça. Conceito eminentemente materialista que não pode ser aplicadoàs pessoas cuja característica principal e essencial é de natureza psicológica.
O conceito de raça aplicadoaos animais se baseia em características físicas e corpóreas que não podem sertranspostas analogamente para os seres humanos cuja essencialidade é denatureza psíquica. Mesmo que se pudesse atribuir um significado mais nobre aoconceito de raça seria impossível definir-lhe o conteúdo sem que houvesse umaredução brutal das pessoas humanas à sua exclusiva dimensão animal.
Do ponto de vista geográfico,para que se pudesse falar de raças, teria sido necessário que os grupos humanosse isolassem de tal forma que somente pudessem ocorrer uniões interparentaispara manter a homogeneidade. Mas não foi isso que aconteceu com a espéciehumana. Homens e mulheres subiram montanhas, percorreram planícies,transpuseram rios, atravessaram desertos exploraram florestas singraram oceanossempre compartilhando conhecimentos, sentimentos e cromossomos.
Portanto, do ponto de vistabiogeográfico, podemos afirmar com segurança que homens e mulheres, tendo emvista as migrações que ocorreram em todas as fases históricas do desenvolvimentohumano, formam uma única espécie biológica. A humanidade seria muito monótonase houvesse uma única raça pura. Para a Geografia Humana o mais importante é adiversidade e a diferença.

Para alguns geneticistas, a primeira onda demistura de povos acompanhou os agricultores que difundiram o emprego do arado.Partindo do Oriente Próximo, o uso do arado propagou-se para a Europa, Arábia,Irã, Índia China e regiões nordeste e leste da África. Mais tarde, os chamadospovos bárbaros (que na verdade eram pastores) que habitavam as estepes da Ásiadomesticaram o cavalo, inventaram o carro de guerra e, com essas inovaçõestecnológicas, espalharam-se com assustadora rapidez pela Europa, ÁsiaOcidental, Índia e China, proporcionando mais uma onda de mistura entre ospovos.
Posteriormente, os bárbaros das estepesdescobriram o ferro e a fabricação de armas. Com esse novo poder bélico,marcaram a História com invasões, conquistas e misturas tribais, durante operíodo de 1200 a 1000 a.C. Datam desse período o domínio de medos e persas noIrã; filisteus, hebreus e arameus na Síria e na Palestina; frígios e dórios naGrecia. (Cf. AZEVEDO, Eliane. Misturas raciais. In:____. Raça, conceito e preconceito. São Paulo, ática, 1990, cap. 5, p. 31).

AESTUPIDEZ DA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE RAÇA À HUMANIDADE - Essadiferenciação dos seres humanos em raças surgiu em 1758, quando o botânicosueco Carolus Linaeus classificou os seres humanos, atribuindo inclusivealgumas qualidades às raças.
Segundo Carolus Linaeus osseres humanos estão classificados em: brancos constituídos pelos europeus queseriam “ativos, inteligentes eengenhosos”. Na seqüência viriam os amarelos formados pelos asiáticos, osquais segundo Linaeus são severos eambiciosos. Os americanos, geniosos,despreocupados e livres constituiriam os vermelhos e no extremo desteesquisito espectro eletromagnético estariam os negros, ardilosos e irrefletidos representados pelos africanos.
Na verdade essa postura defundamentar o conceito de nação na raça ou seja em caracteres físicos levou achamada civilização ocidental, desde as suas origens, a esse gravíssimo desviocomportamental chamado racismo.
Os gregos se consideravamsuperiores aos que eles chamavam de bárbaros.É na antigüidade clássica que se configura a suposta superioridade européiasobre os demais povos.
A escravidão foi justificadapor Aristóteles porque

“segundoele existem homens que,"por natureza”, estão destinados a ser livres e acomandar, outros a ser escravos, a ser comandados, porque privados de almaracional: a esta última raçapertenceriam os bárbaros, que não eram livres nem sequer na sua pátria(Política, 1 2, 1252a) e que constituiam a grande massa dos escravos naGrécia”. (Cf. MATTEUCCI, Nicola. Racismo. In: BOBBIO,Norberto et aliis. Dicionário de política. 5ª ed., Brasília, EditoraUniversidade de Brasília, 1993, v. 2, p. 1059).

Os romanos, ao tempo de suahegemonia desprezavam os “bárbaros” eos gregos, os germanos, os gauleses e os celtas considerados inferiores eselvagens.
No Brasil, país de origemcolonial, resultado da miscigenação de nações indígenas autóctones, de naçõesafricanas escravizadas e várias outras nacionalidades aqui vindas pelos maisvariados motivos não se pode de forma alguma pensar em fundamentar estudosgeográficos ou de qualquer outra ciência; atividades políticas ou culturais apartir do conceito de raça sem que cause mal-estar, desconforto e contradições.O que temos que fazer é resgatar a dignidade das pessoas quaisquer que sejamsuas origens, cor que tenham ou religião que pratiquem.

No Brasil, por exemplo, falar de identidade éum assunto inviável, pois é difícil falar de uma cultura com características demosaico, de tensão, usando categorias de identidade. Mas, infelizmente, muitosintelectuais ainda dizem que o Brasil é um país que não descobriu suaidentidade. A eles podemos dizer que nossa cultura é marcada por mosaicos, eque graças aos deuses e deusas cultuados nessas terras, não temos umaidentidade. (Cf. MENEZES, José Eugênio. A convivência doslatinos-americanos com a abstrata noção de Estado. Rumos. Revista de Cultura.Brasília, 5(9): 62-81, 199)3.

Todas as análises científicasdemonstram sobejamente que as diferenças entre os indivíduos de qualquernatureza que sejam, ocorrem no interior de todas as sociedades, grupos humanos,comunidades e famílias. Podemos afirmar com toda segurança e certeza que ahumanidade pertence a uma única família: a família humana.
TRAÇOS EFUNDAMENTOS DO CONCEITO DE NAÇÃO - Outra fundamentação para identificaruma nação foi a língua ou idioma que se mostrou por si só insuficiente. Existede fato povos que falam a mesma língua mas constituem nações diferentes emuitas vezes em declarado antagonismo. Os exemplos podem ser tirados da AméricaLatina, da África, da própria Europa e etc....
Igualmente a unidadereligiosa não é necessariamente requisito essencial para a existência de umanação. Podem existir nações nas quais convivem grupos de diferentes confissõesreligiosas que se sentem unidos pelo sentimento de pertencer a um mesmo grupoétnico.
O território, como algunsadmitem em relação aos gregos pode exercer uma certa influência sobre aformação de algum traço nacional mas é considerado um elemento extrínseco. Opovo judeu foi por muito tempo uma nação sem território.
Estas considerações não nospermitem concluir que os elementos essenciais de uma nação sejam apenassubjetivos. É necessário também considerar os fatores ligados à natureza ouconcretamente como dizem alguns, os fatores geográficos que imprimem naspessoas traços particulares e inconfundíveis que preparam o terreno ondegerminará aquela unidade espiritual manifestação concreta da existência de umanação.
Quanto a diferenciação entreEstado e nação é preciso dizer que a Geografia registra a existência de váriosestados plurinacionais, cujo exemplo clássico é a Suíça. A nação se caracterizapela unidade dos indivíduos marcados com traços físicos e sobretudopsicológicos bem distintos.
O Estado ao invés secaracteriza pela existência de grupos sociais heterogêneos. Sem uma profundahomogeneidade de cultura e afinidade de índole a nação não existe nem poderáexistir. Já o Estado pode prescindir dessas exigências. Esta diferença éintrínseca e essencial pois que a unidade objetiva ou concreta da qual brotaráa essência da nação consiste na soma de algumas semelhanças parciais quedistinguem um determinado grupo humano de outros.
Enquanto as determinações quemodelam os homens não tiverem plasmado com traços bem nítidos, comuns a todo umconjunto de pessoas não há condições para o surgimento de uma nação.
É necessário a existência deestímulos específicos que façam surgir o sentimento de solidariedade entre aspessoas e os indivíduos os quais unidos em torno de objetivos comuns constroemuma nação.
Mas de onde surgem estasdeterminações, estímulos e condicionantes que fazem surgir as nações?

A ligação espiritual com o solo reside nohábito de viver em conjunto, no trabalho comum e na necessidade de proteção. Ohábito de viver em comum torna-se a consciência da nação; ela congrega milhõesde homens; do trabalho em comum nasce os interesses que criam os laços econômicos do Estado. Quanto a necessidade de proteção ela dáàs autoridades o poder de manter a unidade do Estado.
O solo não é somente o palco ou o objeto dotrabalho comum; ele é também a fonte dos frutos do trabalho. O hábito de viverem conjunto não une somente o povo com ele mesmo mas também com o solo ondeestão enterradas as gerações passadas. Daí a sacralização de alguns lugares quefreqüentemente tornam os laços muito mais fortes do que somente o hábito deviver juntos ou no trabalho em comum. E da necessidade de proteção deriva asegurança das fronteiras e o bloqueio das fortalezas. Assim esta ligaçãoespiritual se nutre muito mais do solo do que possa deixar pensar o vocabulárioimpreciso dos historiadores. (Cf.RATZEL, Friedrich. L’état comme organisme lié au sol. In: ____. La Géographiepolitique. Les concepts fondamentaux.Paris, Fayard, 1987, 1ª parte, Cap. I, p. 66).

ASNAÇÕES E OS ESTADOS - Aprofundando um pouco mais sobre esta questãoda diferença entre Estado e nação verificamos que para a formação do Estadoalém das outras exigências históricas e geográficas e etc., bastam assemelhanças genéricas da semelhança humana, de suas necessidades comuns e desuas qualidades mais universais iguais em todos os membros da espécie humana. OEstado em princípio buscará satisfazer as necessidades fundamentais dos sereshumanos sob sua soberania enquanto a nação busca a conservação do patrimôniocultural.
Parece-nos evidente que anação pertence à categoria dos grupos sociais naturais, sendo constituída pornúcleos de pessoas unidas por princípios internos conseqüência da sociabilidadehumana que tende naturalmente a unir aquelas pessoas próximas e que possuemvínculos, caracteres, costumes e culturas semelhantes.
As nações precederam osEstados, pois que no território submetido ao domínio político do Estado estãoos grupos humanos bem individualizados e distintos, “células” sociais das nações.
As nações criam as condiçõespara o surgimento e desenvolvimento do Estado. Como agregado social natural anação surge a partir da união de indivíduos com traços naturais semelhantes ecom alguma especificação acidental bem definida. O que tem que ser destacado eenfatizado é que tratando-se de pessoas não se pode admitir uma união ouassociação senão mediante vínculos de natureza psíquica, que transcendam aostraços somáticos.
Conseqüentemente um doselementos essenciais a uma nação deve ser buscado necessariamente em algoconscientemente admitido. Esse elemento é a consciência da nacionalidade, ouseja um conjunto de características comuns que marcam os indivíduos como partede um todo ou de um conjunto maior suscitando em todos eles o sentimento deestarem ligados a um destino comum e a vontade de viver unidos.
Estas considerações de ordempsicológica são melhor entendidas no contexto teleológico de todas asinstituições humanas. A nação como instituição social é especificada em funçãode sua finalidade. Já dissemos, entre outras coisas, que a nação tem comofinalidade conservar e desenvolver o patrimônio cultural comum em proveito ebenefício da mais completa e perfeita formação da pessoa humana.
É exatamente isso que fazsurgir a consciência unitária e a vontade de colaborar dos integrantes de umanação. São essas unidades orgânicas e psíquicas parciais que unem as pessoasantes mesmo do surgimento da consciência nacional.
O fundamento objetivo econcreto sobre o qual repousa o sentimento de unidade social da nação édiverso. Cada nação tem os fatores próprios de sua unidade nacional. Isso querdizer que se se esvaziar os fatores tidos como fatores de unidade de uma naçãocomo a língua, os costumes, a religião, a cultura e etc., a vontade das pessoasde participar daquela nação seria desestimulada e a unidade daquela naçãoameaçada.
Cada nação, portanto deveconservar, desenvolver, proteger e preservar o seu próprio patrimônio cultural,sempre aberta ao desenvolvimento e ao progresso, pois que a conservação e odesenvolvimento da cultura nacional não têm sentido se não trouxer benefíciopara as pessoas.
Os produtores culturais, osartífices e artesãos da cultura são as pessoas e não a nação, tomada como um “ens a se”, ou concebidaidealisticamente separada da sociedade e das pessoas. Os bens culturais de umanação devem refluir sobre todas as pessoas que compõem aquela nação como umpatrimônio realmente comum, ao qual todos indistintamente têm o direito departicipar.
A importância de uma nação éproporcional aos serviços que ela presta às pessoas e estes serviços sãosingulares e próprios. É a nação como um todo que age sobre os indivíduoscriando hábitos, disposições permanentes que facilitam a convivência, desenvolvendoassim uma certa função modeladora da personalidade que se expressa emcomportamentos que com o passar do tempo se incorporam aos hábitos e costumes ese tornam permanentes. É desse modo lento e mediante uma ação contínua que anação transmite aos indivíduos os elementos da sua cultura e comunica asidéias, tradições, a língua, a religião e outros comportamentos e valores.
Considerando tudo o que vimosaté agora, princípios e fatos que expusemos podemos afirmar que uma nação é essencialmente um conjunto históricoe geográfico de pessoas que na consciência de sua unidade de origem e decultura trabalha pela conservação e desenvolvimento de seus traços peculiares edistintos tendo em vista a realização de todas as suas potencialidades, em umabase geográfica comum, o seu território.
GEOGRAFIAPOLÍTICA E TERRITÓRIO - Na verdade foi a retomada da GeografiaPolítica, livre dos estigmas da geopolítica que possibilitou uma reflexãogeográfica preocupada mais com os cidadãos do que com o Estado. Nesse sentido,no Brasil é interessante lembrar a obra de Milton Santos O espaço do cidadão, publicada em 1987.
Na França temos uma obratotalmente dedicada ao estudo do território cujo o título por si só é muitosignificativo: “A geografia, isso serveem primeiro lugar, para falar de território, ou o trabalho dos geógrafos”.Outro geógrafo francês Jacques Scheibling, na sua obra “O que é a Geografia” após a crítica de várias correntesgeográficas propõe como estudo da geografia o território.
Jacques Scheibling intitula ocapítulo 7, onde faz sua proposta para uma nova concepção de geografia de “A geografia: estudo do território” einicia este capítulo com o subtítulo: “Nocruzamento da história e da geografia: o território”.

Espaço e território não são sinônimos. Oconceito de espaço como o conceito de tempo são uma categoria filosófica, sejano sentido astronômico, seja no sentido de um modo de existência da matéria. Éapenas por extensão analógica que a geografia se apropriou do «espaço», àmaneira de outras ciências humanas que contribuem do mesmo modo para a inflaçãoverbal do «espacial». A geografia a procura de um estatuto científico fixoucomo seu objeto de estudo «o espaço», noção abstrata mas vazia e, portanto, deum nível reputado mais elevado. Além disso, pode-se observar que é nestemomento, quando a geografia se engaja no «espacial» que a noção de territóriofoi entregue à política da organização estatal. O Estado se apropriou doterritório para fins de ações concretas, enquanto que a geografia passa para umespaço informal, que conduz tendencialmente a privilegiar a abstração dosmodelos. (Cf. SCHEIBLING, Jacques. La géographie: étudedu territoire. In: ____. Qu’est-ce quela Géographie? Paris, Hachete, 1994, cap. 7, p. 141).

O termo território é mais adequado para definiro objeto da geografia? Como o termo espaço ele é polisêmico. Seu sentido temevoluído. No fim do século XIX, o [dicionário] Littré o definia ainda como uma«extensão da terra que depende de um império, de uma província, de uma cidade,de uma jurisdição». Tratava-se portanto de uma noção jurídica e política. Hoje,o dicionário Robert ampliou a definição: «extensão da superfície terrestresobre a qual vive um grupo humano e especialmente uma coletividade políticanacional». No Littré, a noção está associada à idéia de um poder que domina umpaís ou uma região. O Robert despolitiza o sentido e, mantém uma referência aoquadro político nacional, o sentido principal refere-se a relação de umasociedade e a porção do espaço terrestre sobre a qual ela vive.

Além disso, território é frequentemente [usado]como sinônimo de área de extensão de um fenômeno. É também utilizado nasciências humanas, na biologia ou na etologia, ciência que estuda ocomportamento dos animais: o gibão fixa o seu território...
Esta imprecisão é um inconveniente sério. Seeste termo é também impreciso como o espaço, sendo necessário determinar-lhe osentido e lhe dar um conteúdo geográfico, vale a pena promover esta tentativa?
Parece-nos que é pertinentepara a geografia por duas razões essenciais.A primeira pertence à sua etimologia. Como diz G. Bertrand já citado, «Noterritório existe terra». Un território é, qualquer que seja seu significado,uma porção limitada da superfície da Terra. A segunda razão é que a palavraconserva, através da evolução do seu sentido, um sgnificado profundo econstante: a relação de uma sociedade com um espaço, perfeitamente expressapelo dicionário Robert. Ou seja, esta definição do Robert corresponde aosentido comum. O território oferece portanto a grande vantagem de ser acessívelà todos imediatamente. Os geógrafos que se queixam frequentemente de não seremcompreendidos pelo grande público, encontrarão vantagem ao adotá-lo. (Cf.SCHEIBLING, Jacques. La géographie: étude du territoire. In: ____. Qu’est-ce que la Géographie? Paris, Hachete,1994, cap. 7, p. 141-2).

Após a crítica dos aspectosnegativos que envolvem o conceito de espaço, Jacques Scheibling, prossegue nadefesa de sua proposta apresentando as vantagens epistemológicas e ontológicasdo conceito de território inclusive dando exemplos tirados da natureza e dasociedade:

Território é uma noção concreta que remeteportanto a um solo e não a um espaço geométrico. [...] O território tem umalocalização, uma situação, uma dimensão, uma forma, características físicas,propriedades, contradições e «aptidões». Isto pode ser a configuração dascostas, a repartição das massas montanhosas ou a organização da redehidrográfica. Esses traços físicos não interessam, por eles mesmos, aogeógrafo. O que o interessa, é o que a sociedade fêz e continua a fazer emtermos de organização e construção territorial. Esse caráter físico e concretonão se limita portanto aos aspectos naturais; ele se reporta à todas as formase estruturas impressas por uma sociedade em seu espaço, quer se trate depaisagens, da repartição dos homens sobre este território, do sistema urbano,das redes de transporte e de comunicação, ou ainda dos limites e fronteiras ede suas repercussões sobre o arranjo do espaço. Ele se refere enfim asmodalidades territoriais de funcionamento da sociedade, quer dizer, a maneiracomo uma sociedade emprega o território para viver e se perpetuar, é isso queem outros termos chama-se de dinamismos territoriais.
Dizer que o território é uma noção concreta nãosignifica de maneira alguma que tudo que o caracteriza depende do físico e domaterial. Isso significa, ao menos que sejam excluídos da análise territorial,tudo que uma sociedade pode comportar de «ideal», de representações, desentimentos de pertença, de comportamentos individuais ou coletivos ou deinstituições que participem da organização espacial. A questão fundamental ésaber como se organiza uma sociedade em sua relação com o espacial. E osfatores de organização material não são evidentemente os únicos a seremconsiderados. O território é um objeto do qual é necessário elucidar as lógicasde organização e de funcionamento consideradas relevantes para a organizaçãomaterial e outros fatores imateriais. (Cf. J. Lévy in G. B. Benko: Les Nouveaux Aspects de lathéorie sociale, Paradigme, 1988).(Cf. SCHEIBLING, Jacques. La géographie:étude du territoire. In: ____. Qu’est-ceque la Géographie? Paris, Hachete, 1994, cap. 7, p. 142-3).

ADINAMICIDADE DO TERRITÓRIO - A historicidade doterritório é outra dimensão importantíssima apontada por Jacques Scheibling bemcomo a sua adequação às várias escalas territoriais em que a sociedade humanapode manifestar a sua presença:

O território é um produto da história dasociedade. As formas e as estruturas espaciais sãohistóricas e em constante transformação/mutação. Ele é, conjuntamente, oproduto de um processo de apropriação por um grupo social e o quadro defuncionamento da sociedade. Ele é o patrimônio de uma comunidade. Ele comportapor sua vez uma dimensão material e uma dimensão cultural. A consciência depertencer a um território existe em toda sociedade, e isso compreende também ospovos que foram privados ou que aspiram a reaver uma terra perdida.
Nesse sentido, poder-se-ia argumentar que o termo território émuitas vezes associado ao quadro nacional. O risco seria realmente fazer umaleitura «nacionalista» do termo e de privilegiar o quadro nacional ou o quadroétnico-nacionalista. Se é verdade que uma sociedade pode se confundir com seuEstado e sua nação, como na Europa ocidental onde se impôs o Estado-nação, alei está longe de ter valor geral. Na realidade, a noção de território é, tantoquanto a de sociedade, passível de análises em diversas escalas. Ele existe nassociedades locais, nas sociedades nacionais e nas sociedades que se desenvolvemem um nível supra-nacional. A cada um dos níveis corresponde um tipo deterritório. É pertinente também se falar de uma sociedade ou de uma civilizaçãoeuropéia como de um «território europeu». Da mesma maneira, admite-se a idéiade uma consciência de pertença dos homens a um mesmo planeta, nada impede de sefalar de um «território da humanidade». A noção de território pode portanto,sem problema, ser utilizada em todas as escalas. [...] O território é portantouma construção físico-histórica. As sociedades não se desenvolvem indiferentesem relação aos contrastes naturais. Cada sociedade tem seu modo próprio derelação, de apropriação e de utilização do «quadro» natural transformando-osegundo os meios técnicos do momento e o tipo de organização da sociedade. Comocompreender as paisagens rurais se não se tem ao mesmo tempo um conhecimentopreciso das «determinações naturais» e das determinações históricas da formaçãodessa paisagem, de suas transformações para chegar à situação dos lugaresatuais, fatos de permanência milenares e dos transtornos que testemunham arápida «citadinização» (sic) do espaço rural. (Cf. SCHEIBLING, Jacques. Lagéographie: étude du territoire. In: ____. Qu’est-ce que la Géographie? Paris, Hachete, 1994, cap. 7, p. 143-4).

Outra característica apontadapor Jacques Scheibling ao conceito de território, consequência da suahistoricidade é o seu dinamismo, ou seja, as transformações que o territóriosofre em função do próprio dinamismo da sociedade humana. O território dasociedade feudal é bem diferente do território da sociedade capitalista.Amazônia extrativista é diferente da Amazônia dos incentivos fiscais. JacquesScheibling exemplifica sua argumentação mostrando as sucessivas utilizações queas edificações rurais sofrem no seu processo de transformação:

Quando um habitat rural é reaproveitado peloscitadinos que utilizam as edificações agrícolas como residências secundárias,os elementos da paisagem «tradicional» subsistem mas trocam de conteúdo e dedestinação. A paisagem é subvertida e transformada em um conservatório pelaintervenção citadina. [...] Desta forma, o território é um domínio socializadoque se define em função do modo da organização sócio-política e do modo daregulação social. O território é modelado e remodelado constantemente por umasociedade em constante transformação que produz as formas e as estruturasespaciais que servem de quadro para seu funcionamento e para sua reprodução. Oterritório requer uma forma de organização do poder. [...] Com a constituiçãodo Estado moderno e o desenvolvimento do capitalismo, o Estado-nação coincidiucom a área de organização do mercado (das mercadorias e do trabalho). A redeadministrativa (os departamentos)* não correspondia mais com a organizaçãosócio-econômica. Atualmente, assiste-se a uma dissolução lenta das estruturasterritoriais antigas assentadas em relações sociais de longa data, ao mesmotempo que se opera a internacionalização das mudanças, de capitais e dainformação. A geografia foi eficaz para tratar das antigas formas deterritorialidade, aquelas das sociedades rurais, das sociedades urbanas,aquelas das relações cidade-campo. Ela se encontra desprovida diante dadiluição da territorialidade provocada por uma aceleração da mobilidade quedesestrutura os traços anteriores.
O agente que utiliza, constitui, organiza e transforma o territórioé a sociedade em toda a sua complexidade de relações sociais, de estruturaseconômicas e políticas, de instâncias administrativas e estatais, das formas daexpressão cultural. O território é o espaço dessa organização societária queconserva os inúmeros traços históricos, ora em estado de sobrevivência ora sobuma forma revitalizada e reincorporada nas estruturas atuais. Existe umprocesso histórico único de formação de uma sociedade e de seu território. Ofuncionamento territorial de uma sociedade não pode ser apreendido fora de suarelação com sua própria história. Nesse sentido a geografia é genética. (Cf. SCHEIBLING, Jacques.La géographie: étude du territoire. In: ____. Qu’est-ce que la Géographie? Paris, Hachete,1994, cap. 7, p. 144-5).

Finalizando sua argumentação,Jacques Scheibling aponta a razão fundamental de sua opção epistemológica porterritório. Não se trata apenas da adoção de uma terminologia, mas a afirmaçãopositiva de uma prática comprometida claramente que não esconde a sua opçãopolítica sob o manto escuro da neutralidade científica:

Alguns daqueles que criticam o termoterritório, o fazem reincorporando ao conjunto de «conceitos», da «novageografia» sob o pretexto de lhe dar um conteúdo científico. Esta maneira deconsiderar nos parece particularmente contestável. É legítimo utilizá-lo noplano da análise de um território, nos «modelos» nas referências aos «sistemas»ou às teorias (a oposição centro periferia ou dos coremas se for necessário),do mesmo modo não há como definir, em abstrato, o território. Por definição,cada território é específico, na sua escala, e nas suas próprias configurações.Note-se que substituir território por espaço não é um ato neutro. Um espaçopode ser teórico, um território não. A geografia «territorial» seriadefinitivamente idiográfica?* Não, porque a pesquisa científica não consiste emestudar um objeto teórico mas teorizar a partir de uma realidade

Segundo esta concepção formas, estruturas, funcionamento, históriasão as palavras mestras da geografia que apresenta-se então como uma «ciência»estrutural, genética e funcional.

O que que é afinal ageografia? É o estudo da organização e do funcionamento do território ou dosterritórios”. (grifonosso) (Cf. SCHEIBLING, Jacques. La géographie: étude du territoire. In: ____. Qu’est-ce que la Géographie? Paris, Hachete, 1994, cap. 7, p. 145-6).

De tudo o que se disse atéagora já podemos fazer algumas considerações para marcarmos o tipo de abordagemque queremos imprimir a este trabalho. Nesse sentido afirmamos que é noterritório que se dá a verdadeira humanização da natureza pois que os homensterritorialmente determinados, carregando consigo a herança geográfica integramindissoluvelmente o tempo e o espaço. A natureza se humaniza recebendo eretendo no território, as marcas do trabalho humano.
É no território que tempo eespaço se cruzam e se confundem e se «envergam» criando a dimensão extensiva dacomunidade e da sociedade. O território é a acumulação do trabalho humano, daíporque o território manter o elo entre o passado e o presente possibilitando aconstrução do futuro. É dessa relação que a Geografia enquanto ciência tiratodo o seu dinamismo.

CONCLUINDO- Integrando a tradição às novas perspectivas geográficas podemosdizer que: território é aquela porção dasuperfície terrestre, construída pelo trabalho consciente e solidário,persistente e apaixonado, confiante e esperançoso dos homens e das mulheres,das crianças, dos jovens e dos anciãos pela qual todos lutam para manter aintegridade, o domínio, a soberania, a posse e o usufruto para viverem felizese em paz.

REFERÊNCIAS
BOTTOMORE, Tom. (Editor). Dicionário dopensamento marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, s.d.
FERRIER, Jean-Paul. La géographie ça sertd’abord à parler du territoire, ou le métier des géographes. Aix-en-Provence, Edisud, 1984.
GOLDMAN,Lucien. Ciências humanas e filosofia. 7. ed. São Paulo, Difel,1979.
KOLAKOWSKI, Leszek. Marxismo: utopia eantiutopia. Brasília, UNB, 1974.
LACOSTE, Yves. Os territórios da nação.Hérodote. Paris, (62): 8, jul./set., 1991.
____. Nação, nações, nacionalistas. Hérodote.Paris, (62): 3-7, jan./jun., 1994.
MESSIAS DA COSTA, Wanderley. Geografia Políticae geopolítica. São Paulo, Hucitec/Edusp, 1992.
MORIN, Edgar et KERN, AnneBrigit. Terra-Pátria. Porto Alegre, Editora Sulina,1995.
POMER, Leon. O surgimento das nações: o poderpolítico: a natureza histórica do Estado: os estados nacionais. São Paulo/Campinas, Atual/Unicamp, 1987.
RATZEL, Friedrich. Lagéographie politique. Les concepts fondamentaux. Paris, Faiard, 1987.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia nova. SãoPaulo, Hucitec, 1978.
____. O espaço do cidadão. São Paulo, Nobel,1987.
____. Metamorfoses do espaço habitado. SãoPaulo, Hucitec, 1988.
____. et aliis. (Organizadores). Territórioglobalização e fragmentação. São Paulo, Hucitec, 1994.
____. et SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil:território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro, Record, 2001.
SCHEIBLING, Jacques.Qu’est-ce que la géographie. Paris, Hachete, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário