Josué de Castro
Os chamados países subdesenvolvidos devem se preocupar com os problemas do meio? Á primeira vista, esses problemas são muito mais graves e complexos nos países desenvolvidos onde a industrialização e a gigantesca concentração urbana provocam diretamente um desequilíbrio inevitável e uma acentuada degradação do contorno natural, isto é, do meio. Desta forma, os problemas de poluição parecem se circunscrever e interessar quase exclusivamente aos países de alto nível de industrialização e em muito escassa medida, aos países pobres, meros fornecedores de matérias-primas.
Esta é uma análise errônea, originada da imprecisão de
alguns conceitos básicos como as acepções habituais de “meios” e
desenvolvimento”. O meio não é apenas o conjunto de elementos materiais que,
interferindo continuamente uns nos outros, configuram os mosaicos das paisagens
geográficas. O meio é algo mais do que isso. As formas das estruturas econômica
e das estruturas mentais dos grupos humanos que habilitam os diferentes espaços
geográficos também são partes integrantes dele.
Considerado globalmente, o meio tanto compreende fatores
de ordem física ou material quanto fatores de ordem econômica e cultural.
Uma análise correta do meio deve abarcar o impacto total
do homem e de sua cultura sobre os elementos restantes do contorno. E o impacto
dos fatores ambientais sobre a vida do grupo humano considerado como uma
totalidade. Desse ponto de vista o meio abrange aspectos biológicos,
fisiológicos, econômicos e culturais, todos combinados na mesma trama de uma
dinâmica ecológica em transformação permanente.
Esse conceito é mais amplo e mais objetivo que o
resultante de uma concepção do meio como sistema de relações mútuas entre os
seres vivo e o contorno natural, considerados ambos, como fenômenos isolados.
Igualmente falso é o conceito de desenvolvimento avaliado
unicamente à base da expansão da riqueza material do crescimento econômico. O
desenvolvimento implica mudanças sociais sucessivas e profundas, que acompanham
inevitavelmente as transformações tecnológicas do contorno natural. O conceito
de desenvolvimento não e meramente quantitativo mas compreende os aspetos
qualitativos dos grupos humanos a que concerne. Crescer é uma coisa
desenvolver, outra. Crescer é em linhas gerias fácil. Desenvolver
equilibradamente difícil. Tão difícil eu nenhum pais do mundo conseguiu ainda.
Desta perspectiva, o mundo todo continua mais ou menos subdesenvolvido.
Atualmente está na moda falar dos defeitos nocivos que o
crescimento econômico produz sobre o meio sobre os componentes do contorno
natural: entretanto, costuma-se referir apenas e precisamente aos efeitos que
não são os mais ameaçadores para o futuro da humanidade. Ouvem-se gritos de
alarme condenado o crescimento da população a poluição do ar dos rios e dos
mares e a degradação do patrimônio animal e vegetal das regiões mais
desenvolvidas do mundo mas tudo isso revela uma visão limitada do problema já
que o clamor se refere apenas aos efeitos diretos da expansão econômica,
enquanto deixa na sombra e reduz ao silêncio a insidiosa ação indireta do
desenvolvimento sobre a totalidade dos grupos humanos. E é evidente que esta
ação indireta é mais determinante que a ação direta.
O primeiro erro grave, a primeira conclusão falsa que
deriva desta visão parcial do problema, é a afirmativa muito generalizada de
que nas regiões mais ricas e que apareceram por causa do crescimento econômico
os primeiros efeitos da poluição e da degradação do meio ambiente. A realidade:
os primeiros e mais graves efeitos do desenvolvimento manifestaram-se
precisamente naquelas regiões que estão hoje economicamente subdesenvolvidas e
que ontem eram politicamente colônias. O subdesenvolvimento que existe nessas
regiões é o primeiro produção do desenvolvimento desequilibrado do mundo. O
subdesenvolvimento representa um tipo, de poluição humana localizado em alguns
setores abusivamente explorados pelas grandes potências industriais do mundo.
O subdesenvolvimento não é, como muitos pensam
equivocadamente, insuficiência ou ausência de desenvolvimento. O
desenvolvimento é um produto ou um subproduto do desenvolvimento uma derivação
inevitável da exploração econômica colonial ou neocolonial, que continua se
exercendo sobre diversas regiões do planeta.
Há os que afirmam, convictos, que a problemática do meio
nos países subdesenvolvidos é diferente da dos países ricos e industrializados.
Assim diz-se que nas regiões subdesenvolvidas não existe preocupação com os
aspectos qualitativos da vida, mas apenas com a possibilidade de sobreviver,
isto é, como a luta contra a fome, contra as epidemias e contra a ignorância
que estes são apenas sintomas de uma grave doença social: o subdesenvolvimento
como produto do desenvolvimento. Os países subdesenvolvidos que lutam pela
sobrevivência devem preocupar com os problemas do meio e do desenvolvimento em
escala mundial para se defenderem das agressões que seu próprio meio sofre há
séculos por parte das metrópoles colonialistas, destruidoras da condição
humanas nas áreas subdesenvolvidas.
Se só ultimamente é que se vem falando com insistência da
poluição e degradação provocadas pelo crescimento econômico, isso se deve a que
a civilização ocidental, com seu repertório cientifico etnocêntrico, sempre se
negou a aceitar esta evidência: que fome e a miséria de algumas regiões
distantes fazem parte dos custo social do seu próprio progresso, um progresso
que humanidade inteira paga para que o desenvolvimento econômico avance número
de regiões dominantes política e economicamente no mundo.
A escamoteação desta verdade provocou a implantação em
escala planetária de uma estratégia de luta contra o subdesenvolvimento que
estava irremediavelmente fadada ao fracasso: a do Decênio para o
Desenvolvimento, de 1960 a 1970. Fracasso que se tornará a produzir enquanto as
estruturas econômicas do mundo continuarem sustentadas pelos falsos suportes do
seu edifício social: a economia de guerra a economia do lucro máximo e a
política de esmagamento econômico do Terceiro Mundo.
Na sua luta por emancipação e sobrevivência, os países
subdesenvolvidos terão de obter a qualquer preço uma sensível diminuição do
impacto econômico negativo que a economia de mercado provoca no seu sistema de
economia de dependência. Esses países vão combater a ação indireta e distante
dos grandes polos de concentração de capital, que alimentam por todos os meios,
inclusive pela negativa à estabilidade do custo das matérias-primas, o
subdesenvolvimento da periferia econômica do mundo.
Para que não reste a menor dúvida de que o
subdesenvolvimento é na civilização de consumo, um produto do desenvolvimento,
basta verificar que antes da exposição capitalista e industrial do nosso século
não exista esta divisão entre países desenvolvidos separados uns does outros
por largo fosso econômico. Foi depois da Segunda revolução industrial que se
exteriorizaram as disparidade extremas dos ritmos de crescimentos e dos níveis
econômicos de ambos os grupos de países.
Tememos um exemplo concreto: a renda média por habitante
em dois países representativos dos dois grupos. Estudos Unidos da América e
Índia. Antes da I Guerra Mundial a renda média por habitante era na Índia oito
vezes inferior à dos Estados Unidos: antes da II Guerra Mundial, em 15 vezes
inferior, atualmente a renda de um hindu é 50 vezes menor que a de um
norte-americano.
É preciso considerar a degradação da economia dos países
subdesenvolvidos como poluição do seu meio humano, causado pelos abusos
econômicos das zonas de domínio da economia mundial: a fome, a miséria, os
altos índices de frequências de enfermidades evitáveis com um mínimo de
higiene, a curta duração média da vida, tudo isto é produto da ação destruidora
da exploração do mundo segundo o modelo da economia de domínio.
A fome na índia, no Peru, em São Domingos, no Nordeste do
Brasil, embora apareça como manifestação local de zonas subdesenvolvidas,
exprime na verdade formas paradoxais de doenças da civilização na medida em que
são o produto indireto do crescimento econômico desequilibrado, da mesma forma
que são também indiretamente produzidas por ele as doenças as da civilização e
as da penúria, são causadas por um só despotismo, o da frenética civilização do
lucro. Uma surgem ali diretamente sobre o próprio terreno desse despotismo:
outras indiretamente longe dele.
A estratégia que considerava a realidade social do
Terceiro Mundo separada do mundo como totalidade foi fatal para melhoria das
condições do meio. Toda a biosfera é um só ecossistema composto de múltiplos
subsistemas. O ecossistema da biosfera possui enorme plasticidade estrutural,
devido ao jogo dos mecanismos de compensação utilizados para equilibrar os
impactos negativos da ação humana.
Mas essa plasticidade, que é um importante triunfo do
homem, na medida em que permite transformar a biosfera e utilizar seus
elementos para satisfazer as necessidades não pode ultrapassar certos limites
fixados pelas leis dos equilíbrios naturais. Sob pena de provocar graves e às
vezes fatais rupturas nos ecossistemas.
Os desequilíbrio extremos a que foi arrastado do Terceiro
Mundo constituem, por causa do jogos das inter-relações ecológicas, uma ameaça
para toda a biosfera e assim, ipso facto, para toda a espécie humana. A fome do
Terceiro Mundo pode um dia chegar a provocar uma peste generalizada, e a
sublevação dos famintos pode levar o mundo inteiro à guerra, se considerarmos
estes dois problemas-fome e guerra – como formas de um desequilíbrio dinâmico
do meio socioeconômico do mundo.
Não devemos considerar apenas a ação indireta do
desenvolvimento sobre o Terceiro Mundo ação que é mais econômica e cultural do
que puramente física ou natural: devemos nos inquietar também com a ação
direta: o esbanjamento inconsiderado dos cursos naturais não renováveis e as
rupturas biológicas dos subsistemas ecológicos.
O Terceiro Mundo está sob a ameaça permanente de ver
introduzidos tipos de desenvolvimento tecnológicos que, desdenhando a dimensão
ecológica, podem provocar uma desagregação total da sua estrutura. Se levarmos
em conta a relativa fragilidade de alguns ecossistemas equatoriais e tropicais.
Onde se agrupa a maior parte dos países do Terceiro Mundo, este perigo adquire
maior gravidade ainda.
Ninguém ignora a grande fragilidade do solo nestas
regiões, devida sobretudo à erosão provocada pela exploração abusiva do manto
vegetal. Ninguém ignora que os transbordamentos dos rios tropicais são
controlados por diques vegetais de diversos tipos que orientam o curso. Por
conseguinte, a destruição dessa vegetação provoca inundações e estancamentos de
águas, que acarretam graves conseqüências: da perda dos cultivos agrícolas
inundados até a disseminação endêmica de algumas doenças transmitida por
insetos que proliferam nas águas estancadas.
Será que basta a constatação de que o progresso
tecnológico e o crescimento econômico atualmente destroem o meio ambiente do
Terceiro Mundo, para justificar o que alguns preconizam- a saber, a interrupção
do crescimento nesta regiões? Não acredito. É absurdo preconizar a interrupção
do desenvolvimento econômico nos países do Terceiro Mundo, quando os povos
destas regiões vêem nele a sua última esperança de sair do estado de miséria
que os oprime. Não creio que os chamados “oponentes do desenvolvimento” tenham
razão ao propugnar uma interrupção pois o que se impõe é uma mudança, ou melhor
dito, uma reconversão do tipo de desenvolvimento.
A tecnologia não é boa nem má. É a sua utilização que lhe
dá sentido ético. Se nos utilização que lhe dá sentido do a tecnologia age
contra os povos subdesenvolvidos, é porque foi utilizada unicamente para
produzir o máximo de vantagens e lucros para os grupos da economia dominante. É
a exploração neocolonialista que leva estes países ao estado de desespero em
que hoje se encontram, agravando pela nova ameaça desta ordem de interromper o
escasso progresso que conseguiram nos últimos decênios.
Fala-se muito do relatório que
o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M. I. T.) preparou, por inspiração
do clube de Roma, à base de trabalhos de computadores. Estes relatório
determina limites de crescimento, avaliados levando-se em conta os efeitos
nocivos da civilização tecnológico e industrial, ou seja, propõe a fixação de
um ponto de estabilização da população e da economia mundiais. Ora, embora
aparentemente o relatório tenha razão - pois a todos nós inquieta a poluição e
a degradação do meio - a realidade é que, considerado globalmente, torna-se
inaceitável porque suas conclusões estão falseadas por uma metodologia pouco
científica. O relatório considera que o modelo de desenvolvimento que
apresenta, com sua imagem do mundo dentro de um século, é o único válido, o
único possível de ser armado com os dados hoje disponível sobre a realidade
mundial. Este exclusivismo, muito característico da cultura etnocentrista dos
países desenvolvidos, demostrar por si só o caráter pouco científico do
relatório.
Todos sabemos que não se pode prever um só tipo de modelo
do futuro. Os que estudam a ciência do porvir, a prospectiva, sabem que não é
possível ater-se a um futuro único, determinado pelas diferentes condições que
reinam no momento de realizar o estudo. O que cabe fazer é imaginar uma série
de futuros prováveis em função do princípio da probabilidade, que substitui já
há tempos o antigos princípio do determinismo, que foi a norma antes da
formulação da teoria da relatividade.
Pode-se pois conceber vários modelos
do mundo de amanhã e, com grande risco de erro, prever quais as probabilidades
de cada um se transformar em realidade. De forma alguma deve-se limitar as
previsões científica a um só modelo. Quando se fazem projeções lineares, como
as do relatórios sobre os limites do crescimento, cai-se inevitavelmente em
ingênuas tentativas que não levam em conta a ruptura de estruturas, normal no
processo histórico de nossa época. Vivemos uma época de descontinuidade e não
de continuidade.
O erro mais grave do relatório do M. I. T é o omitir,
entre os fatores que determinam o crescimento, o problema das estruturas
econômicas, sociais e políticas. Na introdução do relatório, os autores levam
em conta apenas cinco fatores de desenvolvimento: a população, a produção
agrícola os recursos naturais, a produção industrial e a poluição. Nem uma palavra
sobre as estruturas socioeconômicas. No entanto, ninguém ignora que o nível de
produção e o nível de poluição, isto é, o desenvolvimento e o meio, dependem
essencialmente do tipo de estruturas em jogo.
Omitindo homem e sua cultura, o projeto torna-se alienado,
porque não leva em conta as realidades do mundo atual e, por conseguinte, o
modelo do mundo de amanhã.
Se o Terceiro Mundo, na sua maior parte, recusa as
conclusões deste relatório, é porque desconfia da prescrição sobre a
interrupção do crescimento, interrupção apenas para as regiões pobres, pois é
bom sabido que os países ricos não obedecerão tal ordem. E o fosso que separa
ambos os mundos se alargará ainda mais.
Se isto é a verdade, todo o paternalismo caritativo do
Clube de Roma para com o Terceiro Mundo transforma-se num engodo. Este tipo de
medida não ajuda em nada os países do Terceiro Mundo mas, pelo contrário,
prende-os definitivamente ao subdesenvolvimento e à miséria.
Consequentemente, estes países devem reagir e tentar
encontrar um tipo de desenvolvimento independente do desenvolvimento
neocolonial. Para isso precisarão procurar formulas que lhes permitem a
aplicação de técnicas oriundas da prática e que serão as únicas válidas para
desenvolvê-los de maneira racional. É indiscutível que o tipo de
desenvolvimento atual é um fracasso, mas é indiscutível também que se pode
chegar a desenvolver o mundo com estruturas socioeconômicas e instrumentos de
produção diferentes dos que se usam agora.
É imprescindível re-transformar a economia de guerra em
que vivemos numa economia de paz. E utilizar a enorme poupança que resultar
desarmamento parcial na obtenção de um tipo de desenvolvimento pacífico mais
igualitário e não poluidor.
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