11 de jan. de 2012

GEOPOLÍTICA: O SIGNIFICADO DA FUNDAÇÃO DE BELÉM NA CONQUISTA DA AMAZÔNIA

Prof. Dr. Roberto Monteiro de Oliveira


Aos doze dias de janeiro do ano da graça de mil seiscentos e dezesseis, com a proteção de Nossa senhora da Graça, o capitão Francisco Caldeira Castelo Branco lançou as bases do fortim que iniciava a construção da cidade que chamou-se, inicialmente, Feliz Lusitânia. O forte chamou-se Presépio, e no seu interior foi construída uma capela para o culto de sua guardiã, Nossa Senhora da Graça.
A Amazônia emerge para a História do Mundo Ocidental exatamente ao tempo da gestação do modo de produção capitalista, mais precisamente ao tempo da expansão colonial européia. A Amazônia surge como o El Dorado, ou seja, o lugar do enriquecimento rápido e fácil e de qualquer modo, onde todos os meios são lícitos para o enriquecimento. Não é demais repetir o princípio ético que norteou as ações dos europeus e particularmente dos portugueses na Amazônia; ultra aequinotialem non peccatur (não se comete pecado na linha do equador). A partir desse princípio ético não tem mais o que se discutir. Toda sorte de crueldade é permitida.
Ao final das lutas entre os primitivos habitantes, os Tupinambá e Pacajá, e os conquistadores portugueses, depois de afastados os concorrentes holandeses, franceses e ingleses, a Feliz Lusitânia se transformara e já era conhecida como Nossa Senhora de Belém do Grão Pará. Posteriormente, foi chamada de Santa Maria de Belém. Na atualidade, é simplesmente Belém.
A partir do forte, Belém começa crescer em direção ao norte, as ruas foram sendo construídas paralelamente ao rio. O interior foi sendo conquistado e ocupado por caminhos transversais. No lado norte, os conquistadores foram construindo suas casas de taipa, dando origem ao que hoje conhecemos como Cidade Velha. Para o lado sul, dirigiram-se os Capuchos de Santo Antônio, onde às margens do Paraná-Guaçu construíram o “Hospício” do Una. Ainda na parte norte, saía o igarapé Piry, que ia desaguar perto do forte, nas imediações da doca do Ver-o-Peso. O Arsenal da Marinha foi construído lá pelas cabeceiras do igarapé Piry. No local onde Bento Maciel possuía uma residência, foram construídos o Convento e a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, pelos carmelitas calçados. Hoje, os salesianos de Dom Bosco lá mantém bravamente tradicional Colégio do Carmo para a educação cristã da juventude.
Em 1619 foi fundada a Santa Casa de Misericórdia. O convento de Nossa Senhora das Mercês é de 1640. Em 1676 chegam das Ilhas dos Açores cinqüenta famílias, totalizando 234
pessoas. Eram agricultores e instalaram-se nas áreas da rua São Vicente, atual Manoel Barata.
Por essa época construíram-se a Fortaleza da Barra e o Forte São Pedro Nolasco. Já no século XVII, a cidade começa a deixar o litoral e avançar para a parte continental, a mata.
Em junho de 1748 começa a circulação de moedas de cobre, prata e ouro, que substituíram os novelos de algodão e outros gêneros nativos que eram usados nas transações comerciais na época.
“Para nutrir a fortuna individual dos moradores” foi fundada a Companhia de Comércio. Em 1771, foi concluído o Palácio do Governo, projeto do arquiteto Antônio José Landi. As tropas militares aquartelaram-se em uma área compreendida entre a travessa de São Pedro e a travessa São Francisco que ficou conhecida como Largo dos Quartéis e que hoje é a Praça da Bandeira e Saldanha Marinho.
A presença militar na construção da paisagem geográfica amazônica é marcante e ainda não foi devidamente estudada. O forte São Pedro Nolasco, consta que ficava à beira d’água nos fundos do Convento dos Mercedários, pelo que também ficou conhecido como Forte das Mercês.
Em agosto de 1665, o terceiro governador e capitão-general do Pará, Rui Vaz da Siqueira, mandou começar a sua construção com objetivo de reforçar a defesa da cidade. Depois da Cabanagem, este forte perdeu importância.
Em 1842, o presidente do Pará, Dr. Bernardo de Souza Franco, com permissão de Sua Majestade Imperial, mandou demoli-lo para a construção do cais do porto. Construiu-se, também, uma praça entre o mar e o convento, em cujas entranhas funcionava a alfândega.
Já o Forte Santo Christo, foi construído em conseqüência de um representação de Francisco Galvão da Fonseca, provedor da Fazenda Real no Pará à Sua Majestade, em 20 de maio de 1720.
Somente em 30 de maio de 1721, Sua Majestade ordena ao governador do Estado que tome as devidas providências e somente em 1º de abril de 1728 foi contratado o pedreiro Francisco Martins para vir executar as obras do forte sob a supervisão do Sargento-mor Carlos Varjão Rolin, que se deslocou do Maranhão para Belém.
Em 24 de dezembro de 1832, o governo brasileiro mandou extinguir o comando dos fortes. Em 1850, o presidente Jerônimo Francisco Coelho mandou fazer algumas obras de manutenção do forte. O Aviso do Ministério da Guerra de 12 de dezembro de 1876 manda desarmar o forte. Daí pra frente, inicia-se o processo de sua destruição.
A Fortaleza da Barra foi construída por iniciativa de Antônio Lameira da França, oficial da guarnição do Pará, que se comprometeu, junto ao governador Gomes Freire de Andrade, construir uma fortaleza sobre um banco de pedra, abaixo de Val-de-Cães, da qual seria o comandante vitalício, com objetivo de guardar o canal da barra, correndo todas as despesas por sua conta.
Da forma como esses fatos geográficos são narrados pelos historiadores comprometidos com a história oficial, parece-nos que a construção do território amazônico foi obra única e exclusiva de ilustres portugueses e se deu de forma pacífica seguindo um modelo europeu aceito pelos nativos, persuadidos que foram pelas ordens religiosas.
Mas a própria historiografia nos permite afirmar que de fato essa Geografia é outra.
A violência cometida contra as nações indígenas está implícita na lógica do capitalismo concorrencial. O Estado monárquico português não poderia se estabelecer na Amazônia sem o afastamento dos concorrentes europeus, ingleses, holandeses e franceses, os inimigos externos e sem a destruição dos inimigos internos, as nações indígenas resistentes à dominação. Eram dois projetos de vida antagônicos: (In)feliz Lusitânia dos portugueses versus Araquiçawa dos tupinambá.
Assim, uma vez estabelecidos em Belém os portugueses iniciam a matança dos índios.

“Mas foi sobretudo depois da fundação de Belém, em 1616, que começaram os martírios. O cronista Berredo relata como Pedro Teixeira agia, qual um Cortez no México, matando e incendiando a região entre São Luís e Belém à procura de uma ligação terrestre estável entre ambas as vilas, o que se tornara imperioso - do ponto de vista dos invasores - diante da possibilidade de um bloqueio marítimo dos portos de Belém e São Luís por nação inimiga. Mas nunca, em lugar algum um assassino foi tão homenageado como este Pedro Teixeira.
Este Pedro Teixeira, que ao lado de Bento Maciel, Jerônimo de Albuquerque e Antônio de Albuquerque foi um dos grandes exterminadores do povo Tupinambá, andava acompanhado de criminosos portugueses chamados na época “degredados”, ou seja, emigrantes forçados e que ele arregimentava sob o nome de soldados, e de índios chamados “tapuia”, inimigos dos Tupinambá. Diante da violência da tropa de Teixeira os índios se revoltaram em Cumã, Caju, Mortiguara, Iguape, Guamá, mas estas revoltas serviram apenas de pretexto para novas incursões e novos massacres.
Em 1619 o líder Tupinambá Cabelo de Velha atacou a cidade de Belém, o que foi motivo para um “castigo” exemplar: Pedro Teixeira foi autorizado a sair com quatro embarcações, muitas canoas, cem soldados e grande número de índios “domésticos” para fazer guerra ofensiva nos lugares onde viviam os indígenas: “E suas aldeias reduzidas a cinzas serviram também para os aparatos de vitória”. (cf. HOONAERT, Eduardo. A Amazônia e a cobiça dos europeus. O extermínio dos indígenas. In: ____. História da Igreja na Amazônia. Petrópolis, RJ, Vozes, 1992, cap. II, p. 54).
Na verdade por volta de 1635 os tupinambá estavam praticamente exterminados.
Em 1629, Pedro da Costa Favela e seu xará já citado, Pedro Teixeira após expulsarem os ingleses do forte Torrego ou Taurege, edificado na foz do Rio Mazagão, hoje Santana, chacinaram completamente os nhengaíbas sob a acusação de colaboração com os ingleses.

“Em 1639 chegou a vez dos Tapajós serem martirizados. Em 1626 Pedro Teixeira esteve com eles, mas como eles se mantinham amistosos em relação aos portugueses não houve maiores represálias. Acontece que eles não queriam deixar suas terras e por isso Bento Maciel Parente lhes declarou guerra em 1639. Colocados entre a morte ou a dominação, os Tapajós escolheram a segunda opção, foram desarmados, encurralados e obrigados a fornecer mil escravos aos portugueses, entre filhos e aliados. Para evitar a escravidão, os tapajós passaram a colaborar na escravização de outros grupos, a fim de atingir o número de mil índios “de corda”. O martírio deste povo terminou nos anos 1820-1840, quando foram completamente extintos”. (cf. HOORNAERT, Eduardo. Op. cit. p. 55).

No ano de 1663, por ordem do governador Vaz de Siqueira, o Capitão Pedro da Costa Favela comandando quatrocentos soldados e quinhentos índios em uma frota de trinta e quatro canoas subiu o Rio Urubu exterminando as tribos dos guanavenas, caboquenas e dos bararurus que haviam se rebelado contra uma tropa de resgate. Este foi um dos mais cruéis e sangrentos episódios da colonização portuguesa na Amazônia ocidental.
Ainda na Amazônia ocidental foi em 1627 que os Manaus, tribo líder do vale do Rio Negro juntamente com seu morubixaba Ajuricaba e seus aliados Mayapenas foram cruelmente aniquilados por tropas portuguesas chefiadas por Belchior Mendes de Morais.
O caso da resistência dos Manaus ainda hoje está por ser serenamente pesquisado, analisado e desmitificado. Mas pelo que se conhece, sem dúvida alguma é um dos mais altivos exemplos de resistência indígena à dominação portuguesa na Amazônia e um dos mais cruéis etnocídio cometido pelos portugueses na Amazônia.
Por essa mesma época, os Aruan, que segundo Antônio Vieira eram mais de 29 grupos habitando a Ilha do Marajó, já tinham sido completamente exterminados pelos portugueses.
Referindo-se aos conquistadores portugueses da Amazônia, o historiador português João Lúcio de Azevedo “um dos grandes nomes da historiografia luso-brasileira da metade deste século”, segundo Geraldo Mártires Coelho, assim se manifesta:

“Tétricas figuras são as destes heroes do Novo Mundo, quando nos apparecem espalhando o terror entre as populações dóceis e inermes; arrostando perigos, trabalhos e privações incríveis, na busca de thesouros e domínios, descobrindo em toda a sua hediondez a perversidade humana, quando para contê-la falta a hipocrisia do respeito às leis. Como alcatéia de feras, assolando os bosques, nunca esses aventureiros se viam fartos de sangue; e de ouro e poderio tinham sede insaciável”. (Cf. AZEVEDO, João Lúcio de. O descobrimento. In: ____. Os jesuítas no Grão-Pará. Belém, SECULT, CAP. I, p. 17, 1999).


Sintetizando o processo de implantação da (In)feliz Lusitânia, (do ponto de vista dos nativos) o historiador José Valente, na sua coluna "Hoje na vida do Pará", nos relata o seguinte:

"1740. O livro "Brasil, Colômbia e Guianas", de Ferdinand Denis, enumera os mais sanguinários governadores, capitães mores e capitães que passaram pela capitania do Grão Pará. Foram os seguintes: capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco – tinha o mórbido prazer de passar o fio da espada pela goela de inermes índios, principalmente de mulheres e crianças; capitão-mor Bento Maciel Parente – seus "olhos brilhavam de estranho prazer quando o índio esperneava na ponta de uma corda"; capitão-mor Jerônimo Fragoso de Albuquerque – fidalgo da casa real (imagine se não fosse) extinguiu as tabas aborígines, de modo impiedoso, dos índios Iguapé, Guanapu e Caripi, nos arredores de Belém. Mandava fazer enormes montes de lenha e os sobreviventes eram queimados vivos. Fragoso de Albuquerque "sentia enorme prazer em aspirar o cheiro acre da carne queimada"; os capitães Pedro Maciel Parente e Vital Maciel Parente, sobrinhos do capitão Bento Maciel Parente, "gostavam de ouvir o som cavo da borduna, na cabeça do pobre índio"; capitão-mor Manoel de Sousa de Eça seu matava o aborígine com um fino fio de cobre, fazendo torniquete em pescoço; capitão-mor Luiz do Rego Barros os eviscerava. Esses foram os que mais se destacaram no extermínio de um povo: não que os demais capitães não os matassem, mas o faziam rapidamente ("humanamente", segundo eles)". (Cf. VALENTE, José. Hoje na vida do Pará. O Liberal. Cartaz, Belém, p. 7, 28 mar. 1999)

Esta é a Amazônia que os portugueses não revelaram.
Esses fatos parecem distantes no espaço/tempo, entretanto a presença dos índios ainda incomoda as elites da sociedade brasileira. Os grandes projetos do Estado brasileiro ainda se deparam com as tribos indígenas resistentes: as estradas, as hidrelétricas, os projetos agrominerais, a exploração das madeiras e dos fármacos etc.etc...e a crueldade contra a presença dos índios continua a mesma.
O episódio do índio pataxó Galdino que foi queimado vivo em plena capital da república é muito expressivo da violência que ainda se comete contra os índios.
Elencamos apenas os mais conhecidos massacres cometidos pelos portugueses contra os índios para que pelo menos estes, nos sirvam para um resgate completo das dívidas humanitárias que toda a civilização ocidental e particularmente o Estado brasileiro tem para com estas nações.
É necessário que se faça o confronto em termos de civilização. Os Tupinambá chegaram a Amazônia, bem antes dos portugueses, seguindo a Rota do Sol, buscando a realização de uma utopia, a Araquiçawa, a terra onde o sol se põe, a terra sem males, o lugar onde os idosos seriam respeitados pela sua experiência e sabedoria. O lugar onde os curumins e as cunhantãs cresceriam felizes convivendo em paz com a natureza, aprendendo os segredos da floresta e dos rios; o lugar onde os jovens acreditavam, os tupinambá, poderiam viver felizes numa eterna juventude. Este era o projeto de sociedade, a utopia tupinambá.
Infelizmente, o que prevaleceu entre nós foi o projeto português da (In)feliz Lusitânia, onde o que vemos são os idosos desamparados morrendo nas filas de prontos-socorros, etc, as crianças sobrevivendo nos lixões ou sendo mutiladas nas olarias no trabalho escravo infanto-juvenil; as jovens prostituindo-se sem nenhuma pespectiva de um futuro digno.
Se compararmos hoje, os dois projetos de vida, as duas utopias: (In)feliz Lusitânia dos portugueses e a Araquiçawa, dos Tupinambá, passados mais de 500 anos de imperialismo europeu, sem dúvida alguma, que a utopia tupinambá coloca-se ao lado das grandes utopias das grandes civilizações humanas.
Assim como os judeus refletindo sobre a maldade no mundo projetaram no passado a existência de uma situação de harmonia entre os homens e a natureza, no Éden, no paraíso terrestre, nossos antepassados tupinambá projetaram essa situação no futuro, pensaram na Araquiçawa, e buscavam-na seguindo a rota do sol.
Portanto, nós nativos da Amazônia não temos porque nos envergonharmos de nós mesmos, da nossa cultura, da nossa mitologia, para estarmos homenageando os nossos algozes.
Jamais a nossa classe dirigente de mazombos conseguirá apagar os traços indígenas da Amazônia. Manaus jamais será Liverpool. Belém, jamais será, (In)feliz Lusitânia, Paris na América e etc. porque Belém nasceu para ser a vanguarda desse sonho, a Araquiçawa das utopias dos Tupinambá, o País do Amazonas, feliz e livre, como sonharam também os nossos antepassados cabanos

Nenhum comentário:

Postar um comentário