22 de nov. de 2017

A HISTÓRIA DA GEOGRAFIA OU A GEOGRAFIA DE NOSSA HISTÓRIA*

Palestra proferida pelo Prof. Dr. Roberto Monteiro de Oliveira, no auditório do ICHL da UFAM, no dia 31 de maio de 2016 por ocasião de evento comemorativo dos 30 anos de fundação do Curso de Geografia. Manaus, 31 de maio de 2016
Homenagem ao Professor João Renor.

Essa questão do passado, da memória, e etc., enfim a questão da relação da Geografia com a História tem sido colocada pelos geógrafos, mas nos parece que não tem sido desenvolvida. São feitas afirmações como por exemplo: “A Geografia é o resultado e o prolongamento da História. [...] Historiador do atual, o geógrafo deve prosseguir os estudos do historiador, aplicando métodos que lhe são próprios”, mas que não têm a devida fundamentação filosófica. (Cf. GEORGE, Pierre. Objeto e método da Geografia. In: ____. et aliis. A Geografia ativa. São Paulo, Difel, 1975, p. 17-8).
Acredito que esta questão transcende as fronteiras da Geografia e coloca-se no contexto geral das ciências e põe para todas elas a questão da História.

“... se o conhecimento da História nos apresenta uma importância prática, é que por ela aprendemos a conhecer os homens que, em condições diferentes e com meios diferentes, no mais das vezes inaplicáveis à nossa época, lutaram por valores e ideais, análogos, idênticos ou opostos aos que possuímos hoje; o que nos dá consciência de fazer parte de um todo que nos transcende, a que no presente damos continuidade, e os homens vindos depois de nós continuarão no porvir”. (Cf. GOLDMAN, Lucien. O pensamento histórico e seu objeto. In: ____. Ciências humanas e filosofia. São Paulo, Difel, 1979, cap. I, p. 22).

“Pode-se dizer que a Geografia se interessou mais pela forma das coisas do que pela sua formação. Seu domínio não era o das dinâmicas sociais que criam e transformam as formas, mas o das coisas já cristalizadas, imagem invertida que impede de apreender a realidade se não se faz intervir a História. Se a Geografia deseja interpretar o espaço humano como o fato histórico que ele é, somente a história da sociedade mundial, aliada à da sociedade local, pode servir como fundamento à compreensão da realidade espacial e permitir sua transformação a serviço do homem. Pois a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social”. (Cf. SANTOS, Milton. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. In: ____. Espaço e sociedade. Petrópolis, Vozes, 1979, cap. I, p. 9-10).

Na verdade, o passado não pertence apenas à história. O passado também tem a sua dimensão geográfica. Na verdade, é através do território que a nação mantém os vínculos do passado já vivido convivendo com o presente e mantendo a consciência da continuidade geográfica do aqui e agora e que permite à nação se apropriar do passado. É mantendo a consciência geográfica do seu território que uma nação se permite comemorar seus avanços, suas vitórias, os seus feitos e etc., porque tem consciência que é na atualidade o mesmo povo que viveu este passado e que será revivido no futuro por outras gerações.
Com a ruptura da consciência geográfica o passado perde o seu valor, os lugares geográficos tornam-se apenas peças de museu, objetos de visitação e admiração; os fatos geográficos, por sua vez, tornam-se objeto da comercialização do folclore, perdendo a capacidade de estimular o presente, de incitar a luta pelas transformações. É um passado que pertence apenas à História.
O passado no contexto da consciência geográfica, atualizado através da perspectiva do território, incide sobre o presente e apela para a construção do futuro. Essa atitude de veneração ao passado e imposição ao presente é muito prejudicial pois atravanca o futuro e impede o florescimento do novo. Mas é igualmente prejudicial lançar-se para o futuro sem a consciência geográfica do passado. Sem a percepção correta do passado o futuro fica comprometido. Tanto a veneração excessiva como o ódio desprezível podem tornar os homens vítimas do passado.
A consciência geográfica do próprio território é o que dá força às nações para não abandonarem o passado, mas carregarem-no consigo como a própria memória depositária de toda a experiência vivida que permite orientar o presente em direção ao futuro. É este sentido de continuidade existencial vivido no próprio território que dá à comunidade humana responsabilidade em relação ao uso e destinação da herança deixada no território.
O passado no sentido geográfico é libertador não escraviza mas liberta os contemporâneos responsabilizando-os em relação ao uso dos bens naturais e sociais encontrados no território. É por isso que os cidadãos em seus territórios celebram o passado pois que dele se sentem proprietários livres e não escravizados por ele e é por isso também que a consciência geográfica do passado não é estática, mas está constantemente desafiando os homens a darem novo sentido ao passado.
Enquanto houver consciência geográfica, o passado estará sempre aberto para balanço, porque o território tem essa capacidade de renovar-se constantemente abrindo novas possibilidades para o futuro. O território como síntese da experiência geográfica de cada nação e como fator da acumulação dos conhecimentos geográficos nunca terá uma interpretação definitiva cabendo ao geógrafo o dever de elaborar sínteses sempre atualizadas do conhecimento geográfico.
Nesse sentido os geógrafos compartilham com os demais profissionais das preocupações do momento em que vivem e, como os demais profissionais, acreditam ser fundamental a contribuição individual na construção dessa utopia coletiva que é uma sociedade onde as riquezas produzidas possam satisfazer as necessidades de todas as pessoas e não apenas de uma minoria de privilegiados.
Também como os demais profissionais, os geógrafos recusam aceitar que a orientação neoliberal seja a única possível para ser implementada em nosso país e que o desenvolvimento e o bem-estar conseguido por essas medidas para uns poucos privilegiados seja pago pela miséria e desemprego da grande maioria dos brasileiros.
Na verdade, a mídia nos passa a falsa ideia de que a globalização é inevitável, inexorável, igualitária e que traz benefícios recíprocos para todos os países. Como diria Rui Moreira, é preciso desmascarar essa impostura e, afirmar que os países que detêm as tecnologias, que monopolizam os meios financeiros e dominam os organismos que regulam as relações internacionais, são os únicos que se beneficiam e se apropriam das vantagens comparativas dos outros países.
Não podemos aceitar a globalização como um fato consumado e submetermo-nos à sua lógica. Podemos e devemos participar na construção do nosso território.
Na verdade, globalização é um conceito criado pelos ideólogos comprometidos com o sistema, para dar sustentação ideológica a essa fase neoliberal do capitalismo, que quer transformar o mundo, num imenso mercado sem fronteiras geográficas para o capital, mas negando essa mobilidade para as pessoas.
De fato, as comunicações uniram os mercados e a economia cresce cada vez mais. Entretanto, esse boom da produção capitalista, longe de apontar esperança de dias melhores, só na América Latina exclui 180 milhões de pessoas que vivem na pobreza e 80 milhões que sobrevivem em extrema miséria.
As leis de mercado, que poderiam servir para aumentar e melhorar a oferta de produtos e reduzir seus preços, são absolutizadas e passam a governar até as relações entre as pessoas. Nessa linha de raciocínio neoliberal, o crescimento econômico e não a pessoa humana passa a ser a razão de ser da economia. O Estado se exime das responsabilidades sociais que todos os cidadãos merecem, pelo simples fato de serem pessoas.
Os programas sociais são substituídos por incentivos fiscais aos poderosos grupos econômicos, em detrimento do apoio às pequenas e médias empresas locais.
As empresas constituídas com recursos públicos são privatizadas por preços irrisórios, com a simplória desculpa de que o Estado é mal administrador.
Ao invés de incentivar as pequenas e médias empresas locais, criadoras de emprego e de reinvestimentos locais, abre-se o país para as multinacionais exploradoras de nossos recursos e que remetem seus lucros para suas sedes.
A política econômica privilegia o ajuste fiscal, a redução da inflação e o equilíbrio da balança comercial como se esses fatores, por si sós, pudessem trazer bem-estar para todos, sem provocar novos e graves problemas.
Com o objetivo de incentivar os investimentos privados altera-se a legislação trabalhista, suprimindo as conquistas sociais dos trabalhadores e suprime-se as leis de proteção ambiental.
As perversas consequências de toda essa política nós é que sofremos: desemprego, subemprego, aviltamento dos salários, falência das pequenas e médias empresas, concentração urbana de espoliados, expansão do narcotráfico, aumento da criminalidade, ausência de segurança pública, desajuste das comunidades locais, enfim, a degradação da pessoa humana, através das múltiplas formas de corrupção.
Consequência de tudo isso é a indignação popular, apelo ao terrorismo, aprofundamento das desigualdades sociais e a concentração, cada vez maior, das riquezas produzidas nas mãos de uma minoria.
Na verdade, o neoliberalismo reduz a pessoa humana à sua dimensão econômica, à sua capacidade de produzir bens materiais. Exalta o individualismo, o carreirismo, o sucesso individual, o consumismo desenfreado de coisas supérfluas, mas que através da mídia tornam-se indispensáveis, levando as pessoas a fazerem qualquer coisa para possuí-las. Daí a corrupção, a degradação dos valores, a concorrência sem ética, enfim a prostituição moral em todos os níveis e sentidos em todos os segmentos sociais.
Entretanto, o que causa maior indignação é a cumplicidade de nossas elites dirigentes com esses esquemas de globalização, assistidos pelos meios de comunicação; principalmente pela televisão que tem um poder enorme de seduzir, induzir e conduzir a pessoa a adotar esses novos comportamentos, renunciando e até mesmo menosprezando os seus próprios valores criando essas sociedades regionais completamente alienadas. E isso é mais grave ainda, quando a juventude, força renovadora de todas sociedades, adere e assimila esses valores sem opor qualquer resistência.
Mas, podemos construir uma sociedade alternativa em que todas as pessoas possam usufruir dos bens e serviços proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico. Uma sociedade justa onde ninguém seja excluído do trabalho bem remunerado, da saúde, da moradia digna da educação de qualidade e onde se possa gozar das belezas da natureza sem depredá-la.
Podemos construir uma sociedade onde as pessoas não tenham vergonha de suas tradições e de sua descendência. Uma sociedade eficiente, mas também sensível e preocupada com seus deficientes, com os idosos e com as crianças. Uma sociedade que acolha com generosidade todos aqueles que buscam melhoria da vida em seu território e que se oponha, radicalmente, a qualquer política de limpeza étnica e de culto à raça.
Podemos construir uma sociedade, onde a atividade política deixe de ser um balcão de favores pessoais e seja privilégio dos que realmente se preocupam com o bem comum.
Na verdade, temos que ter consciência que esta opção tem um preço muito alto e que exige coerência de vida, atitudes e valores radicalmente contrários aos da burguesia. Além do que, requer competência técnica, disciplina no trabalho, organização e eficiência, sem o que, nunca construiremos a sociedade que tanto desejamos.
É necessário, portanto, pesquisar profundamente os fundamentos do neoliberalismo para propormos alternativas viáveis de resistência e consentâneas com as possibilidades do nosso povo; solidarizar-se com todos os excluídos, apoiar as suas lutas; fortalecer as tradições culturais que não deixem o povo perder sua identidade.
Por fim, é básico e fundamental lutar pela gratuidade dos serviços públicos, principalmente, pela saúde, pela segurança e pela educação.
Acredito, firmemente, que a forma mais eficiente para conter os impactos malignos, dessa globalização capitalista perversa, seja o comprometimento dos futuros geógrafos, e, de todos os profissionais, em atuar profissionalmente, na construção de um território e de uma sociedade justa, alegre e solidária.
Professores, Alunos e funcionários do Departamento de Geografia da UFAM; os desafios estão postos; as estratégias estão definidas, as metas estão estabelecidas. Um futuro promissor nos aguarda. Vamos à luta.

(Muito obrigado).
Homenagem ao Professor João Renor.

 

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